Xamã: hit 'Malvadão 3' surgiu de noite de drinks e versos livres, 'bem irresponsável mesmo'

Xamã: hit 'Malvadão 3' surgiu de noite de drinks e versos livres, 'bem irresponsável mesmo'
Rapper nº1 das paradas fala ao g1 sobre versos espontâneos com cenas do 'cotidiano brasileiro', de 'bunda com fermento' e 'preço da passagem': 'Sempre precisei muito de condução pública. Xamã

Divulgação / Lucas Nogueira

O dono da música mais tocada no país hoje, com citações brasileiríssimas a "bumbum com fermento", "bigodin finin" e "preço da passagem", já tentou ser ser MC Deadpool e MC Wolfwalker. Mas Xamã achou sua força nas cenas cotidianas nacionais e nos versos livres como de "Malvadão 3".

Em entrevista ao g1, o rapper lembra a época em que vendia amendoim no trem enquanto fazia shows para três pagantes e explica a origem "espontânea" de seu hit nª 1. Já recuperado da Covid, que pegou no início do ano, Geizon Fernandes, 32 anos, falou sobre:

A criação desse e outros hits 'curtindo no estúdio, inventando melodias, fazendo 'freestyle''.

O motivo de sempre citar o "preço da passagem": a vida sofrida nos trens e ônibus do Rio.

A carreira embalada por parcerias dentro e fora do rap, de Ludmilla a Marília Mendonça.

O desejo de popularizar o rap e o contato com João Gomes, que vai gravar uma música dele.

O impacto psicológico e a pausa nas redes após uma mulher inventar uma gravidez dele.

O erro de tweets homofóbicos e como conversa com Gloria Groove para aprender sobre isso.

Planos para 2022: um livro, singles de rap e um álbum todo em outro estilo...

Leia abaixo os principais trechos da conversa:

g1 - 'Malvadão 3' tem versos de apelo muito popular tipo o 'vapo vapo', o 'bigodin finin', a 'bunda com fermento'. Você já escreveu essa pensando num potencial mais amplo?

Xamã - Não, na verdade todas as músicas que eu construo são como uma história em quadrinhos. Está acontecendo um monte de coisas, parece que aquelas imagens estão em movimento.

Eu crio a melodia e tento colocar palavras do cotidiano do brasileiro, que ele usa diariamente. Você encanta a pessoa com uma melodia bacana e coloca um texto, um mini-roteiro de dois minutos, e as pessoas se identificam.

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g1 - E como amarrar todas essas imagens num tema, como você cria a música?

Xamã - Eu crio de duas maneiras. O beat é feito pelo NeoBeats, o DJ Gustah, a galera que produz para mim. Eles criam a melodia e eu escrevo a letra em cima. Mas muitas das vezes eu lapido com o tempo.

Eu escrevo muito no "freestyle": a primeira coisa que vem na mente, a coisa mais espontânea possível. Aí com o tempo você vai dando uma bordadinha ali. E o processo de criação são vários. Às vezes estou no carro olhando na janela e vem uma coisa na minha mente. Não tem um método comum.

g1 - Como cada uma é de um jeito, como nasceu a 'Malvadão 3'?

Xamã - Essa eu escrevi num estúdio aqui no Rio com uns amigos. A gente sempre coloca um drink, escuta umas batidas e fica curtindo no estúdio, inventando melodias, fazendo freestyle.

E surgiu assim de uma forma muito espontânea com os amigos, bebendo, cantando. A maioria das músicas legais, que eu gosto, foram criadas assim, de uma forma bem irresponsável mesmo.

Nada de "vou fazer uma música", e ficar ali sentado esperando para fazer. Assim comigo não rola. Tem que ser uma coisa muito espontânea com os amigos bebendo, cantando, rindo. Essa música acho que tem esse espírito alegre. Ela foi feita com essa energia.

O rapper Xamã

Divulgação/Facebook do cantor

g1 - Esse verso livre é uma coisa que te marca mesmo. Quais são suas referências nisso?

Xamã - Eu gosto muito muito do Black Alien. Foi a pessoa que mais me inspirou, com certeza. E rock internacional, por causa das melodias das guitarras, pego muita referência.

E música brasileira. Aquilo que você já ouviu na sua rua, numa mercearia ou num programa de domingo. Aquela que toca na rua, quando você pega um ônibus, no carro. Que fala de amor, da vida que nem sempre é incrível, mas é divertida, de conquistas difíceis. Desde bossa nova a pagode. Mistura tudo na panela de um brasileiro comum.

g1 - Uma coisa muito específica nos seus versos é o preço da passagem. Você fala disso em várias músicas. Por quê?

Xamã - Eu morava em Sepetiba, Zona Oeste do Rio, depois da última estação de trem, que é Santa Cruz. Quando eu conseguia a condução para chegar no lugar, todo o resto das coisas era mais tranquilo.

Desde quando eu trabalhava em loja até depois, quando eu trabalhei com música, sempre foi uma coisa muito difícil para mim a passagem. Porque ela comia toda a grana que eu conseguia fazer. Era o dinheiro de comer, o de viver, e o da passagem, que era 50% disso.

Eu falei disso no Poesia Acústica 6. Aí virou meio que um bordão, e eu fiz da mesma forma no Poesia Acústica Paris, em que a gente já tava em outro momento da carreira.

Como eu trabalhava sempre precisando muito de conduções públicas, eu acho justo continuar falando disso, faz parte da minha história. Quantos outros brasileiros devem viver isso?

Xamã

RSoares / DIvulgação

g1 - A gente já sabe que você vendia amendoim no transporte público. Mas como era a sua vida novinho lá, o que te impulsionava a fazer música e como era esse corre?

Xamã - Comecei a trabalhar numa loja de roupas e rolava rap o dia inteiro. Descobri que tinha aptidão para fazer rimas e vender as coisas. Sempre tive problema de abordar a pessoa. "Compra isso aqui", e a pessoa tomava um susto. Mas quando chegava rimando a pessoa achava incrível e até comprava.

Depois comecei fazer as batalhas de rap. E falei: vou ser um músico. Larguei a loja e comecei a trabalhar nos trens e nos ônibus do Rio, fazer uma renda para continuar acreditando no sonho.

E ao invés de oferecer o bagulho, "compra o amendoim, o drop, o Halls", eu fazia o rap do flow do vendedor de amendoim. Era muito mais fácil chegar rimando, a pessoa já abre o coração. Aí comecei a usar isso como slogan nas batalhas de rap.

Foi um recurso que conseguia para vender o que precisava. Aí quando eu comecei a fazer minhas músicas eu vendia as minhas ideias. Eu uso essa mesma forma de abordagem para poder chegar nas pessoas. Quando você rima, canta, deixa tudo mais colorido.

g1 - A gente falou das imagens das letras, e seu nome artístico já é evocativo. Como foi essa definição?

Xamã - Quando eu batalhava, precisava de um nickname. Você não usa seu nome porque o cara vai te xingar, vai falar da sua família. Escolher isso foi meio conturbado. Sempre fui fã de quadrinhos e jogos, e tentei colocar um nome assim. Mas acaba sendo uma coisa muito internacional.

A galera não conseguia pronunciar os nomes que eu tinha. Eu jogava Mortal Kombat e cheguei a batalhar como Nightwolf, que é um personagem do jogo, mas como era esperado os caras não conseguiam pronunciar. O Nightwolf é um índio xamã, e é muito mais fácil de falar Xamã.

g1 - E teve uma tentativa de ser Deadpool também?

Xamã - A minha frustração é que quando o cara ia falar meu nome, falava "deád pól". Ou "Náit vúlfi" (risos). A pessoa não ia nunca decorar aquele nome. Então deve ter sido em duas ou três batalhas.

g1 - E depois você fez a dupla Xamã Estudante. Como foi aquele começo? Quais foram as dificuldades que você encontrou?

Xamã - O Estudante já era mais conhecidão, aí a gente começou a fazer uns trampos. Ele conhecia a galera do Cone Crew, e a gente gravou no estúdio do Maomé a "Deus abençoe o rolê", acho que o nosso primeiro som. A gente tinha dificuldade porque, primeiro, não sabia o que estava fazendo (risos).

Não tinha a mínima noção, era mais paixão. E morava na Zona Oeste, que era longe pra caramba. Sempre tinha o problema das passagens e horários, a batalha do trem que demorava quatro horas para chegar.

A gente cantou em muitos microfones ruins no Rio. Fizemos shows sem microfone, shows que foram três pagantes. Foi uma coisa muito de início, para saber se ia fazer isso mesmo ou não. Foram dois anos intensos.

g1 - Depois você começou a carreira solo, mas sempre com muitas parcerias (de Marília Mendonça a Gloria Groove, além do Poesia Acústica). Porque você tem esse ímpeto criar essas conexões?

Marília Mendonça e Xamã

Divulgação/Facebook do cantor

Xamã - Tem um livro da minha tia Rossane que diz: "faça mais pontes e menos muros". Quando você faz uma ponte, consegue ir para o outro lado e a pessoa vir para o seu lado.

Quando eu faço uma ponte com alguém do sertanejo que eu gosto, eu ouço também. Porque o nosso ouvido brasileiro, a gente não tem como dizer que escuta uma coisa só. Você pega o cara mais metaleiro e ele vai saber cantar a música do Raça Negra.

Os produtos que mais fazem sucesso no mundo são os que interagem com as pessoas. Se eu não interagir com as pessoas, não criar pontes, criar muro, vou ficar preso. Não vai dar certo.

g1 - Você quer levar o rap mais para o mainstream, que ele seja uma parte maior dessa receita brasileira?

Xamã - Com certeza. Acho que a gente já está fazendo isso, voando como besouros, batendo aqui e ali, mas conseguindo, voando. É uma tendência mundial. Eu acho que o rap vai ganhar corpo, não só por mim, mas com outros gigantes chegando junto comigo, gente que tem mais tempo e outros mais novos.

g1 - Você escreveu no Twitter no dia 31 de dezembro que o João Gomes é 'mó resenha'. Teve contato com ele?

Xamã - Tenho sim, pô. Ele vai gravar "A Bela e a Fera", um som meu de 2018 em que ele se amarra e pediu para fazer uma versão. Eu falei: claro. Ele é engraçado pra caramba. Manda uns áudios cantando as músicas versão piseiro pelo Instagram e eu acho massa. Sempre coloco aqui para ouvir. É uma revelação sinistra, gente boa demais.

Capa do single 'Gato siamês', de Ludmilla com Xamã

Divulgação

g1 - No ano passado você falou que queria sair um pouco das redes para pensar. Como foi esse tempo?

Xamã - Fiquei um pouco longe das redes sociais porque passei a dar poder para comentários negativos ou coisas ruins tirarem um pouco da minha paciência. Então falei: não posso permitir isso. Aí tentei dar um tempo, tomar um banhozão de água fria.

As redes sociais comparam as vidas. Às vezes você não está nem feliz e está postando que está feliz, e às vezes nem está puto mas está postando que está puto.

g1 - Mas às vezes também você pode ficar puto de verdade, como nesse caso da mulher que criou uma falsa gravidez sua (depois a mulher desmentiu a história). Como foi?

Xamã - Quando vi a notícia, eu achei que era uma coisa séria. Então isso mexeu com o meu psicológico, com o psicológico da minha família, de relacionamento. Tive relacionamento que não voltou por causa disso. Foi uma coisa muito grande.

A partir desse momento entendemos que há uma lente de aumento ao nosso redor, em que às vezes "microcoisas" significam grandes coisas e a gente tenta só dominar o psicológico, que precisa ter.

g1 - Por outro lado, esse ano teve um episódio em que você foi cobrado por comentários homofóbicos no Twitter e admitiu seu erro.

Xamã - Eu aprendi tudo de bom e de ruim na linguagem de rua, e às vezes é sem querer. No convívio com as pessoas, com o tempo, você melhora o seu vocabulário, melhora suas opiniões.

No momento que eu fui fazer o post, eu não queria fazer uma ofensa, mas eu estava fazendo uma coisa errada, porque é uma educação errada que eu tive. Eu tive inúmeras conversas com a Glória [Groove], já, antes desse caso. "Glória, como eu falo isso? O que é isso?", e ela me respondia. Muitas dúvidas, de não saber como lidar com o assunto.

Não eram coisas em que eu acredito (os tuítes antigos). Era uma coisa para aparecer, para tentar criticar alguém. Era uma linguagem ruim. Eu assumi totalmente o meu erro. Gostaria de não ter feito esse comentário. Espero inspirar outros jovens a entenderem isso também.

g1 - E quais são os planos para a carreira em 2022?

Estou fazendo um álbum novo com um estilo musical diferente de rap. Mas vou lançar mais singles também, de trap.

Estou fazendo um livro de poesias, que é quase um quadrinho, com todas as poesias que eu tenho. Algumas se transformaram em músicas. Tenho versões antigas dessas letras que pretendo lançar.

g1 - E esse álbum fora do rap é de um estilo só, tipo a Ludmilla fez um de pagode, ou vários?

Não, um estilo específico, tradicionalíssimo, brasileiro. Só posso falar isso por enquanto.