"MC Danny, não confunda": conheça a campeã de hits da virada no Brasil

Bordão da cantora combina com sua história surpreendente: paulista foi do funk consciente ao forró ousado, teve 2 das 30 músicas mais tocadas no mundo no reveillón e ganhou fãs como Anitta. MC Danny

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"MC Danny, hein... Não confunda!". Entre os bordões que invadiram a música brasileira, poucos são tão bons para introduzir a artista por trás dele. É fácil confundir MC Danny de várias formas antes de conhecê-la melhor.

Ela teve a 1ª e a 3ª músicas mais tocadas no Spotify no Brasil no réveillon ("Toma toma vapo vapo", com Zé Felipe, e "Ameaça", com Paulo Pires e Marcynho Sensação) - com isso, elas entraram até no top 30 global. Quem ouve de relance os forrós ousados pode ficar confuso sem saber que:

A nova voz da pisadinha é uma funkeira paulista. Ela tentava emplacar em SP há 10 anos, até virar queridinha do forró.

As letras são cheias de ousadias e quicadas. Mas Danny se formou no funk "consciente", sobre a realidade difícil das favelas.

Nas músicas, ela deixa homens doidos com relações sem sentimento. Na real, Danny vive tranquila com sua namorada.

Todo mundo está atrás da voz imponente, do ritmo e da liberdade feminina da artista que antes era ignorada.

Ela fechou 'feats' com Barões da Pisadinha e João Gomes, e sua equipe conversa com a de Anitta. Mas ela não quer se prender a uma fórmula - no funk nem na pisadinha.

Danielle Porto Deloste tem 23 anos e cresceu no Jardim Sinhá, Zona Leste de São Paulo. "Minha infância foi um pouco como a de toda periferia. Não tinha muito recurso. Minha mãe trabalhava em shopping, minha avó fazia uns bicos", conta.

A mãe e a avó são de Vitória da Conquista (BA). Em casa, Danny ouvia muito forró (Calcinha Preta, Xand Avião) e sertanejo (Bruno e Marrone). Mas ela se apaixonou ao ouvir o MC Daleste cantar sobre as cenas que ela via todo dia no Jardim Sinhá.

"Era um funk que mostrava a realidade da minha periferia, da minha vida, da minha casa", ela descreve. Aos 12 anos, a garota da Zona Leste resolveu virar MC do tal funk consciente, como o ídolo Daleste - assassinado durante um show em 2013.

"Desde os 12 anos eu já trabalhava também. Trabalhei em lava-rápido, entregando panfleto, em fast-food, fui gerente de loja de shopping. Foi difícil. O funk era meu sonho e trabalhar registrada era para me manter e comer."

MC Danny

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Funk inconsciente

A carreira musical não engrenava. "Quando eu cantava consciente não fazia baile. Porque quando você é mulher nesse mundo da música, é mais difícil. No funk é mais difícil. No consciente, pior ainda". Não havia consciência da igualdade de gênero.

"Eu lançava vídeo no Youtube e no Facebook porque não tinha recurso para produzir uma música no estúdio. Dos dez anos de carreira, seis foram só cantando consciente. Percebi que não conseguia entrar no mercado sendo mulher, sozinha, sem produtora, sem empresário."

Ela resolveu variar o estilo. "Comecei a ser versátil, a gravar de tudo. Tudo que falavam para mim eu ia lá e gravava." Ela gravou até trap, mas a barreira mais difícil foi cantar as letras sexuais que estavam em alta no funk: "Eu tinha vergonha. Achava que estava ofendendo as pessoas."

"Com o tempo eu vi que a recepção foi diferente. Não é a ousadia, é o jeito dançante, o toque, o ritmo. A letra é o que toca na rua. A gente é da periferia, é da rua. A gente quer cantar o que a rua quer escutar. Não quero levar a ousadia para o resto da vida. Mas a gente vai se adaptando com o tempo."

'Por que não pode?'

Os MCs já cantavam isso sem problema. O duro foi uma mulher "ter a mesma liberdade, o mesmo passe dos homens", ela diz. "A gente é muito limitada, não pode falar nada que 'ah, vocês são isso e aquilo'. Pô, o homem pode falar a hora que quiser. E a gente não pode? Por que não pode?"

Num momento em que os cantores populares brasileiros parecem fascinados com a figura da amante impiedosa, Danny hiponotiza ao encarnar a mulher "ruim no amor, mas boa na cama", que "senta sem sentimento" e ainda reclama deles: "Prostituto, vagabundo, não vale nada".

Na era do "tapão na raba", Danny bate de volta com ousadia e alegria. Mas a chave do sucesso foi além das letras sexuais - e, principalmente, além da cena do funk de SP.

Estratégia para ganhar o Brasil

A expansão foi resultado de uma decisão esperta de Danny: colocar na internet todos os vocais limpos, sem batida, para qualquer DJ usar. "O que os DJs fazem? Pegam a minha capella e transformam num ritmo deles. Um ritmo da cultura do estado."

Esses vocais pré-fabricados são cada vez mais usuais no intercâmbio de sucessos do pop eletrônico brasileiro. Danny foi ainda mais ativa: "Qual foi minha visão? Mandar carimbo (voz para personalizar a faixa) para os DJs de cada estado. E graças a Deus o retorno veio como? Triplicado."

O primeiro acerto foi no funk de Belo Horizonte, em 2020, quando o DJ mineiro Gui Marques usou a voz em "Vou jogar na sua cara". Depois, a mesma faixa ganhou um remix brega-funk pernambucano.

Vocal de 'Xerecard': não tem preço

O primeiro hit nacional com a estratégia do vocal sem preço veio com "Xerecard". A original tinha batida paulista. Depois, o potiguar Jeff Costa transformou em bregadeira e fez estourar no Brasil. O sucesso foi tão grande que incomodou a Mastercard, cuja marca era parodiada no clipe.

"Não tinha muito ideia com a Mastercard. Ela queria processar, tirar o clipe, remover o canal da produtora. Foi difícil. Mas a gente já editou o clipe, ocultou as partes que lembram a marca deles e graças a Deus eles recuaram", lembra Danny.

A força de "Xerecard" em Fortaleza pôs Danny no radar dos astros da cidade. Ela emplacou "Não pode se apaixonar", com Xand Avião e DJ Ivis (antes do vídeo em que ele agride a ex-mulher). Outro hit foi "Sem sentimento", com o cearense Felipe Amorim e os pernambucanos DG e Batidão Stronda.

"Onde eu vou, qualquer estado do Nordeste, a recepção é excepcional, com muito amor" Mesmo tendo crescido ouvindo os forrós que a avó e a mãe tocavam, ela não sabe explicar porque a conexão com sua voz foi tão forte: "Deus falou: você vai estourar aqui, o Nordeste é o seu lugar", ela arrisca.

As duas pisadinhas que bombaram na virada foram "Ameaça", com o paraibano Marcynho Sensação, outra revelação nas paradas, e "Toma Toma Vapo Vapo, com Zé Felipe, goiano antenado na nova música eletrônica do Nordeste.

Anitta virou fã

Anitta é a maior fã de "Ameaça" no Instagram e postou vários vídeos curtindo a música. Danny ainda não conversou com ela, mas há uma conexão: "Está rolando uma conversa entre nossos produtores, quem sabe rola um feat?". Há parcerias certas com Barões da Pisadinha, João Gomes e Márcia Fellipe.

Danny sabe que o brega-funk e a pisadinha mudaram sua vida, mas também busca outros terrenos - e não desistiu do funk consciente. "O piseiro foi como uma escada para mim. A gente tem que dançar conforme a música. Mas vai se adaptando aqui, canta um consciente ali. Até estourar uma. "

A Bahia delas

Ela conversou com o g1 por videochamada, enquanto tirava alguns dias de folga com a família na Bahia. Uma tranquilidade distante das letras frenéticas de embate sexual com homens. "Hoje eu namoro, sou bem tranquila em relação a isso", ela diz.

"As pessoas até estranham quando sabem por conta das músicas. Aí quando vai ver, na realidade, eu namoro uma mulher. Totalmente diferente. Sou super assumida, não tenho limitação de falar."

Além da paz no amor, ela comemora as férias com a mãe e a avó, que saíram da Bahia, penaram em São Paulo, e hoje descansam na terra de origem. "Sou muito grata a elas. Eu não fui criada pelo meu pai. Foram elas em qualquer momento da minha vida. As duas, firmes e fortes."

MC Danny

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