Faca no pescoço, neonazista, depressão: como Ace of Base fez todo mundo dançar, mas viveu caos nos bastidores...

Faca no pescoço, neonazista, depressão: como Ace of Base fez todo mundo dançar, mas viveu caos nos bastidores...
Ao g1, Jenny Berggren, uma das vocalistas, conta como atentado cometido por fã e tensão fora dos palcos afetou o grupo. Série 'Quando eu hitei' entrevista artistas que sumiram. Quando eu hitei: Ace of Base fez todo mundo dançar, mas viveu tensão

O Ace of Base vendeu 25 milhões de cópias do primeiro álbum, graças ao sucesso de "The Sign" e "All That She Wants". Em 1992, o quarteto sueco foi a maior banda do mundo.

Mas enquanto nos clipes havia dancinhas, sorrisos, batidas hipnóticas e solos de saxofone, nos bastidores tudo era mais aflitivo e caótico.

Ao g1, Jenny Berggren, uma das vocalistas, contou detalhes sobre o lado ensolarado e o lado sombrio da banda (veja entrevista acima):

Ulf Ekberg, tecladista e produtor, usava colete à prova de balas nos shows, quando o passado neonazista dele foi revelado;

Linn Berggren, cantora e irmã de Jenny, foi diagnosticada com depressão e saiu da banda, após Jenny acordar com uma faca no pescoço empunhada por uma fã;

Jenny se sentia em uma prisão no auge da fama e reclama até da dificuldade de paquerar na balada.

Na série semanal "Quando eu hitei", artistas do pop relembram como foi o auge e contam como estão agora. São nomes que você talvez não se lembre, mas quando ouve a música pensa “aaaah, isso tocou muito”.

Ulf Ekberg, Jenny, Linn e Jonas Berggren: o Ace of Base no começo dos anos 90

Divulgação

O Ace of Base era uma banda familiar. Jenny e os dois irmãos, Jonas e Linn, começaram cantando no porão da casa dos pais, em Gotemburgo, na Suécia, no final dos anos 80.

"Meu pai me deu um microfone amarelo e um azul para a minha irmã, em um Natal. A primeira coisa que meu irmão fez foi comprar novos microfones e ele disse 'esses são uma porcaria. Vocês precisam de outros microfones'. Então, foi assim que começamos."

O trio de irmãos se juntou a um amigo, chamado Ulf Ekberg, o tal membro com passado neonazista (veja história no vídeo acima).

Jenny Berggren, do Ace of Base, no começo dos anos 90 e em foto recente

Divulgação/Site oficial da cantora

Gospel desde sempre

Jenny tinha 20 anos no auge do Ace of Base. O interesse pelo canto surgiu cinco anos antes, ouvindo música clássica e cantando na igreja.

Hoje, o repertório da carreira solo de Jenny vai mais pela música gospel. "Ainda sou uma festeira e adoro me divertir, mas também há o lado sério, é claro. Então, eu tenho os dois lados."

Um ouvinte mais atento, porém, sempre notou a influência do canto religioso nas harmonias vocais do grupo: "Happy Nation" (1995) tem um quê de canto gregoriano, por exemplo.

Ace of Base em 1994

Divugação

Além do gospel, a paixão pelo pop surgiu quando ela era bem novinha. "Tinha outra pessoa sempre comigo e ele era o Elvis. Eu tinha quatro anos e aprendi como colocar um disco para tocar e eu pensei que aquilo era incrível."

A fã de Elvis cresceu. Virou uma mulher dividida entre o curso de "medicina pediátrica" e os palcos. Um dia, adormeceu na aula. "Acordei com um anel marcado na cara, porque tinha saído em turnê na Dinamarca quinta, sexta, sábado, domingo... e depois na segunda, tinha ido direto."

Foi naquela hora que decidiu largar os estudos. Dormir menos de quatro horas por dia não parecia ser muito saudável. Tudo começou a dar certo a partir dali, incluindo uma parceria com um produtor sueco super requisitado, chamado Denniz Pop.

Ele morreu aos 35 anos, vítima de um câncer, em 1998. Antes, Denniz liderou o time de produtores suecos que depois criaria músicas para Backstreet Boys, Britney Spears, 'N Sync e muitos outros.

Sucesso não é só alegria...

Jenny e Linn Berggren em foto do começo da banda

Divulgação

O sucesso trouxe problemas para o Ace of Base. Em abril de 1994, Jenny foi passar férias na casa dos pais, aquela onde tudo começou, quando foi acordada com uma faca no pescoço. Era uma fã. Ela exigiu que Jenny ligasse para os outros integrantes, porque queria conhecer toda a banda.

O ataque feriu Jenn e a mãe dela, mas quem ficou mais traumatizada foi Linn. Ela nunca se recuperou totalmente daquele dia e foi diagnosticada com depressão. Ela passou, então, a não dar mais entrevistas e saiu da banda em 2007.

Antes disso, já havia dado uma sumida: não viajava em turnês e não participava de clipes. Quando o Ace of Base veio ao Brasil para divulgar o álbum "Cruel Summer", em 1998, Linn não veio. Em entrevistas, a banda dizia que ela tinha "medo de avião". Ela também começou a aparecer no fundo e desfocada em fotos da banda...

Linn ao fundo da foto de divulgação de 1998, da fase 'Cruel Summer'

Divulgação

Um ano antes do ataque, Jenny escreveu uma música chamada "Ravine", de versos premonitórios:

"Então, uma noite, alguém veio / Peguei uma faca e me rasgou pelas raízes".

"Foi como uma profecia que eu tive, essa imagem de que eu tinha caído em um desfiladeiro, o que me protegeu de algo que teria provavelmente me matado."

Jenny diz que ainda consegue se transportar para aquele momento "bem ruim, ruim para muitas pessoas de muitas maneiras". "Mas, no final, quando Deus pode cuidar disso, é como se fosse melhor do que se nada tivesse acontecido. A vida é muito, muito complicada, e pode ser horrível."

Jenny Berggren, do Ace of Base, em foto recente da carreira solo

Divulgação

A formação original do Ace of Base durou entre 1992 e 2009. Como um trio, oficialmente sem Linn, fizeram turnês em 2005 e 2009. Em 2010, sem as duas irmãs, os dois caras da banda convocaram novas cantoras: a Julia Williamson e a Clara Hagman.

Esse quarteto renovado lançou o último álbum da banda, "The golden ratio", de 2010. Jenny poderia estar na nova formação, mas recusou: "Eu prometi à minha irmã não a substituir e foi isso que eu fiz. Eu mantive a minha promessa."

Ao ser perguntada se ficou com raiva de Jonas e de Ulf por tê-las substituído, a resposta é serena e sincera, como Jenny é durante toda a entrevista:

"Perguntei a Deus, o que devo sentir? Devo ficar triste? Devo ficar com raiva? Porque não sou uma pessoa triste e com raiva. Eu não quero ser isso. E Ele sabia, disso, eu acho. E eu vi isso de forma muito clara, como um flash do céu. O que você tem que fazer com eles é amá-los."

Jonas Berggren, Clara Hagman, Julia Williamson e Ulf Ekberg: a formação mais recente do Ace of Base

Divulgação

A cantora de 49 anos é casada desde 2004 com o pianista Jakob Petrén, com quem tem um filho e uma filha. Antes de casar, teve muita dificuldade para fazer coisas normais de uma jovem solteira. Pegar gente na balada era bem complicado.

"No início de uma festa, estava tentando encontrar alguém que pudesse se interessar por mim. Mas eu percebia que assim que eu ia ao banheiro e voltava, alguém já tinha falado 'oh, ela é aquela cantora famosa'. E aí todo o lugar, o clima mudava totalmente. Isso era bem triste, porque talvez às vezes eu tinha realmente gostado de alguém e, de repente, ele virava uma pessoa insana."

Além das baladas, a fama afetou outras áreas da vida de Jenny. Ela disse que procurou uma psicóloga e chegando no consultório, ouviu: "Bem, parece que você é como uma prisioneira, é como se você vivesse na prisão". Jenny concordou: "É bem parecido com isso".

Banda neonazista

Capa do disco 'Uffe was a Nazi', com músicas da banda Commit Suicide, que tinha Ulf Ekberg, do Ace of Base

Reprodução

Jenny disse que se sentia em uma prisão, mas era Ulf Ekberg que merecia ter sido preso de verdade. Ainda no comecinho da banda, foi revelado que ele já foi neonazista. Isso, é claro, causou muita tensão na banda.

Antes do Ace of Base, ele tinha uma banda chamada Commit Suicide. As letras eram racistas, defendendo a supremacia branca e a xenofobia. Em 1998, uma pequena gravadora sueca lançou uma coletânea com músicas atribuídas a esse grupo punk. A capa tinha Ulf fazendo a saudação nazista.

Ele pediu desculpas e disse que essa versão dele não existe desde 1987, quando o Commit Suicide acabou. Jenny disse que isso afetou não só a banda, mas ela também.

"Eu me lembro de quando eu estava em um dos meus primeiros shows e ele tinha um colete à prova de balas nele, porque ele tinha realmente muita dificuldade em provar que não fazia mais essas coisas. E adivinha quem estava na frente dele, cantando no primeiro show dela? E eu não tinha um colete à prova de balas."

O Ace of Base em 1993 com Linn, Ulf, Jonas e Jenny

Divulgação

Ulf disse que esse passado dela nada tem a ver com o Ace of Base. Há quem afirme que letras da banda tenham referências ao nazismo. "The Sign" seria sobre um sinal nazista, mas a música não tem Ekberg entre os compositores.

"Foi difícil, mas nunca tive nada a ver com isso, com minha mãe sendo uma professora de imigrantes. A gente tinha alunos de todas as partes do mundo, dormindo nos nossos sofás, morando nas nossas casas. Uma cultura integrada."

Mesmo assim, como a banda lidou com o fato de Ulf ter um passado neonazista comprovado por fotos e músicas?

"Eu acredito no perdão", responde Jenny. "Você pode dar passos errados quando é jovem e acredito que isso não deve destruir a vida inteira de uma pessoa, só porque você algo errado. Temos que aprender com as pessoas e foi o que fiz. As pessoas são lindas, pessoas normais. Ulf é normal, ele é incrível, ele é fantástico, mas ele é outra pessoa hoje."

VÍDEOS: Quando eu hitei