Jussara Silveira interpreta Gal Costa com precisão e canto límpido em show reverente à "musa de todos os tempos"

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Jussara Silveira interpreta Gal Costa com precisão e canto límpido em show reverente à
Jussara Silveira canta o repertório de Gal Costa em show que estreou em 5 de abril no Museu de Arte do Rio (MAR)

Wesley Sabino / Divulgação Museu de Arte do Rio (MAR)

Resenha de show

Título: Jussara Silveira canta Gal

Artista: Jussara Silveira

Local: Museu de Arte do Rio – MAR (Rio de Janeiro, RJ)

Data: 5 de abril de 2024

Cotação: ? ? ? ?

? A voz límpida de Jussara Silveira sempre explicitou a herança do canto matricial de Gal Costa (26 de setembro de 1945 – 9 de novembro de 2022) com tamanha nitidez que um tributo de Jussara a Gal é ideia tão óbvia quando feliz.

O show que estreou na noite de ontem, 5 de abril de 2024, no palco armado no piso térreo do Museu de Arte do Rio (MAR) – situado na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro (RJ) – é, a rigor, a segunda abordagem do repertório de Gal na carreira de cantora iniciada por Jussara em Salvador (BA) em 1989, quando tinha 30 anos.

Há sete anos, essa artista de origem mineira e vivência baiana lançou o álbum Fruta Gogoia – Uma homenagem a Gal Costa (2017), gravado com Renato Braz e com produção musical de Dori Caymmi, arranjador que orquestrou disco de moldura clássica sob a direção artística de Luiz Nogueira.

Embora também formatado sem transgressões, o show Jussara Silveira canta Gal resultou menos tradicionalista do que o disco. Na companhia dos músicos Luiz Brasil (guitarra) e Marcelo Galter (piano), Jussara Silveira cantou Gal Costa com certa reverência em show que já chegou bonito à cena, mas que tem tudo para ser aprimorado quando for apresentado em espaço fechado, em ambiente menos dispersivo do que o da apresentação feita no piso térreo do MAR, dentro de programação que incluía a abertura da exposição Bloco do prazer.

Mostra sobre festas e celebrações coletivas, a exposição Bloco do prazer foi batizada com o nome do frevo de Moraes Moreira (1947 – 2020) e Fausto Nilo que, embora lançado em 1979 em disco do Trio Elétrico Dodô e Osmar, foi amplificado em todo o Brasil com a gravação feita por Gal Costa três anos depois para o álbum Minha voz (1982) – o que justifica que a exposição tenha módulo em homenagem a Gal.

Obviamente presente no roteiro de Jussara Silveira, Bloco do prazer foi a terceira música do show, tendo sido reprisada no arremate do bis – iniciado com o bolero Folhetim (Chico Buarque, 1978) – porque o festivo frevo propiciou a comunhão popular, observada na dança e no coro espontâneo do público.

Jussara Silveira canta Gal Costa com os músicos Luiz Brasil (guitarra) e Marcelo Galter (piano) em show no Museu de Arte do Rio (MAR)

Wesley Sabino / Divulgação Museu de Arte do Rio (MAR)

Com garra, Jussara Silveira driblou eventuais problemas de som – como a microfonia logo apontada pela artista em cena – e protagonizou apresentação que cativou admiradores da cantora e de Gal.

Desde a primeira música, O amor (Caetano Veloso e Ney Costa Santos sobre poema de Vladimir Maiakovski, 1981), ficou evidente que a voz cristalina de Jussara Silveira é naturalmente vocacionada para encarar o repertório de Gal, "minha musa de todos os tempos", como saudou a cantora antes de interpretar Negro amor (It's all over now, baby blue, Bob Dylan, 1965, em versão em português de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti, 1977).

Como Jussara jamais caiu na tentação de imitar Gal, dona de timbre único e inigualável, o que se viu e ouviu foi show reverente que destacou o brilho da guitarra de Luiz Brasil, hábil ao expor o sentimento de blues entranhado na balada Pérola negra (Luiz Melodia, 1971) e ao interagir com Jussara na canção Sua estupidez (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969) em duo de voz e guitarra que sobressaiu no roteiro, ainda que a cantora tenha mostrado certa insegurança com a letra da canção.

Já Marcelo Galter, pianista igualmente virtuoso que tocou com o maestro Letieres Leite (1959 – 2021), brilhou no floreio jazzy do samba-canção Só louco (Dorival Caymmi, 1955).

A propósito, Jussara Silveira tem em comum com Gal Costa o fato de ambas terem lançado álbuns somente com canções do compositor Dorival Caymmi (1914 – 2008). O songbook de Gal saiu em 1976 e o de Jussara foi lançado em 1998.

Tal particularidade justificou no roteiro a recorrência de músicas de Caymmi, de quem Jussara também cantou outro modernista samba-canção, Nem eu (1952), antes de cair sacolejante no samba Rainha do mar (1939) com citação de Dois de fevereiro (1957).

Além do parentesco do timbre e do repertório, o que mais legitimou o tributo de Jussara Silveira a Gal Costa foi o sentimento preciso com que Jussara interpretou músicas como Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971). A cantora soube dar o tom exigido tanto por um samba-canção angustiado como Volta (Lupicínio Rodrigues, 1957) quanto por uma canção de leveza pop como Sorte (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 1985).

É fato que Vaca profana (Caetano Veloso, 1984) ainda pode ganhar mais potência – até poque está fresca na memória dos seguidores mais fiéis de Gal a interpretação apoteótica de Filipe Catto, cantora que também está em cena com show com o repertório de Gal (no caso, um tributo de atmosfera roqueira).

Contudo, quando Jussara Silveira cantou Dê um rolê (Moraes Moreira e Luiz Galvão, 1971), ninguém duvidou de que a cantora era amor e devoção da cabeça aos pés na louvação à "musa de todos os tempos".

Jussara Silveira canta músicas como 'Nem eu' e 'Sua estupidez' em show em tributo a Gal Costa

Wesley Sabino / Divulgação Museu de Arte do Rio (MAR)

? Eis as 16 músicas do roteiro seguido por Jussara Silveira em 5 de abril de 2024 na estreia do show Jussara Silveira canta Gal no Museu de Arte do Rio (MAR), no centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ):

1. O amor (Caetano Veloso e Ney Costa Santos sobre poema de Vladimir Maiakovski, 1981)

2. Negro amor (It's all over now, baby blue, Bob Dylan, 1965, em versão em português de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti, 1977)

3. Bloco do prazer (Moraes Moreira e Fausto Nilo, 1979)

4. Pérola negra (Luiz Melodia, 1971)

5. Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971)

6. Sua estupidez (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969)

7. Volta (Lupicínio Rodrigues, 1957)

8. Só louco (Dorival Caymmi, 1955)

9. Nem eu (Dorival Caymmi, 1952)

10. Rainha do mar (Dorival Caymmi, 1939) – com citação de Dois de fevereiro (Dorival Caymmi, 1957)

11. Não identificado (Caetano Veloso, 1969)

12. Sorte (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 1985)

13. Meu bem meu mal (Caetano Veloso, 1981)

14. Vaca profana (Caetano Veloso, 1984_

15. Dê um rolê (Moraes Moreira e Luiz Galvão, 1971)

Bis:

16. Folhetim (Chico Buarque, 1978)

17. Bloco do prazer (Moraes Moreira e Fausto Nilo, 1979)