Morte de Dominguinhos do Estácio cala voz memorável do Carnaval carioca

Morte de Dominguinhos do Estácio cala voz memorável do Carnaval carioca

Na informalidade da vida e sobretudo na explosão do samba na avenida, ele era somente o Dominguinhos do Estácio, voz ilustre do Carnaval carioca.

Intérprete de sambas-enredos igualmente marcantes como Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós (Niltinho Tristeza, Preto Joia, Jurandir e Vicentinho), com o qual a Imperatriz Leopoldinense se consagrou campeã do Carnaval do Rio de Janeiro em 1989, essa voz memorável se calou na noite de domingo, 30 de maio, aos 79 anos, em hospital da cidade fluminense de Niterói (RJ), em decorrência de complicações de hemorragia cerebral.

O sobrenome artístico de Dominguinhos do Estácio aludia ao fato de o cantor, compositor e ritmista ter vindo ao mundo e se criado no bairro do Estácio. Mas bem poderia também ser alusão à passagem notável do intérprete pela Estácio de Sá, agremiação carnavalesca que ganhou esse nome em 1983, décadas após ter sido fundada, em 1955, como Unidos de São Carlos.

Foi na Unidos de São Carlos que Dominguinhos começou, nos anos 1960, trajetória profissional que começou a ganhar impulso na década de 1970.

Desde então, Dominguinhos se alternou entre as escolas Estácio de Sá, Imperatriz Leopoldinense, Acadêmicos do Grande Rio e Unidos do Viradouro, na qual estava desde 2017, já como intérprete de apoio devido a problemas de saúde.

Nessas agremiações, Dominguinhos se eternizou como um dos maiores intérpretes de samba-enredo de todos os tempos. Um grande puxador de samba, para usar o controvertido termo popular que designa os cantores de vozes potentes e volumosas que seguram o samba-enredo no gogó, ao longo da avenida, durante o desfile da agremiação.

Discípulo de José Bispo Clementino dos Santos (1913 – 2008), o Jamelão, nesse ofício em que se eternizou, Dominguinhos do Estácio também foi ritmista do bloco Bafo da Onça. E soube ir além do Carnaval ao desenvolver a carreira de sambista.

Capa de 'Cor da paz', quinto álbum solo de Dominguinhos do Estácio

Reprodução

Após ter integrado o grupo Exporta Samba e ter gravados dois LPs coletivos em 1975 e 1979, o artista iniciou carreira solo como cantor e compositor com o álbum Bom ambiente (1986), editado pela mesma gravadora, Recarey Discos, que lançaria no ano seguinte o segundo álbum de Dominguinhos, Além de mim (1987).

Contratado na sequência pela RGE, gravadora que investiu ao longo dos anos 1980 em nomes do pagode carioca como o grupo Fundo de Quintal e Zeca Pagodinho, Dominguinhos deu continuidade à discografia solo com os álbuns Momentos (1988), Gosto de festa (1989), Cor da paz (1991), Mar de esperança (1992) e Palavras (1995).

Nesse período fértil fora da folia, Dominguinhos do Estácio compôs, em parceria com Darci Nascimento, o samba que batizaria o terceiro álbum de Zeca Pagodinho, Jeito moleque (1988).

Com o parceiro Darci, aliás, Dominguinhos compôs sambas-enredos campeões. Foi com samba da dupla, O que que a Bahia tem, que a Imperatriz Leopoldinense conquistou em 1980 o primeiro título no Carnaval carioca.

Quando deu voz a sambas alheios, Dominguinhos do Estácio também contribuiu para vitórias na avenida, como a da Estácio de Sá no Carnaval de 1992 com o enredo Pauliceia desvairada – 70 anos de modernismo.

Acima de vitórias ou derrotas, Dominguinhos do Estácio deixa legado ainda a ser corretamente dimensionado no universo do samba. Morto a três meses de fazer 80 anos, o cantor e compositor foi ainda maior do que a voz que há de ecoar na memória afetiva de todos os que viveram e brincaram com paixão o Carnaval do Rio de Janeiro nos últimos 50 anos.