Treta da batatinha, 'medo' de revolta e 'fuga' em avião: Metal Open Air na visão das bandas

Treta da batatinha, 'medo' de revolta e 'fuga' em avião: Metal Open Air na visão das bandas
Festival começou sem palcos e terminou com debandada de equipe técnica por medo de apanhar. Integrantes do Korzus e do Shaman contam ao g1 como foi fazer parte do evento. O Metal Open Air tinha tudo para mudar a cena do metal no Brasil, mas terminou virando o Fyre Festival brasileiro. Fyre Festival antes de o original acontecer, porque o evento em São Luís, no Maranhão, completou uma década e segue fazendo parte do folclore da cena do metal brasileiro.

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Além de 47 shows, o festival prometia área de camping e uma superestrutura nos dias 20, 21 e 22 abril de 2012. Não foi o que se viu.

O g1 conversou com duas das principais atrações nacionais do Metal Open Air (as bandas paulistanas Korzus e Shaman) para entender como foi acompanhar a derrocada do evento diretamente dos palcos e bastidores. Veja e ouça trechos dos depoimentos no podcast acima e no vídeo abaixo.

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Shaman e o caso das batatinhas

Thiago Bianchi, então vocalista do Shaman, viu uma cena na área de camarins que chamou atenção dele:

"Um amigo nosso que estava trabalhando com o Megadeth passou segurando uma garrafa de vinho e deu um grito muito alto no corredor falando o Dave Mustaine disse que queria a porra das batatinhas dele. E jogou uma garrafa de vidro no chão", relata o cantor, hoje vocalista do Noturnall. No fim do relato, ele fez um som estridente imitando o estrondo da garrafa quebrada.

"Todo mundo olhou assim, né? Porra! Três horas para ver uma batatinha frita... 'O cara disse que ele vai subir no palco, se ele tiver batatinha frita, eu não sei o que'. Eu não sei se isso procedia porque eu sei que a pessoa que trabalhava direto com ele e duvido muito que o cara fizesse isso a troco de nada também, mas o cara deu um chilique lá, porque não tinha vindo as batatinhas fritas do Dave Mustaine."

Bianchi entende que as tais batatinhas podem parecer um mero detalhe, mas havia muito mais por trás da ausência delas no camarim do vocalista do Megadeth.

"Isso pode ser muito sério, porque se você não consegue entregar uma batatinha frita para o maior músico daquela da sua noite... algo está muito errado. Isso ligou a nossa a nossa luz vermelha. Ficou todo mundo 'Caralho, mano, será que esse evento vai dar merda? Daí começou a todo mundo ligar as anteninhas. Todo mundo começou a ficar cabreiro."

Tudo um caos, tudo 'normal'

Show do Shaman no Metal Open Air, em abril de 2012

Reprodução/Facebook/Edson Cortez

Antes disso, o vocalista diz que estava achando tudo normal antes, mesmo com o fato de as passagens terem chegado somente um dia antes do embarque. Era um "caos", mas normal para os padrões do heavy metal, nas palavras dele.

"Público, banda, crew, todo mundo que vive o metal brasileiro, seja lá em qual área seja, sabe que não é exatamente um primor sobre o ponto de vista de organização, né?", explica. "A gente ainda sofre muito e eu noto que isso acontece não só aqui no país, né? A gente viaja o mundo inteiro, tem países desorganizados."

Foi com emoção, mas as passagens chegaram. O cachê também caiu na conta e eles tocaram no Metal Open Air na sexta-feira, primeiro dia de evento.

"Nosso show foi ótimo, não cortamos músicas nenhuma. A gente passou o sono no horário, nosso som estava ótimo. Eu lembro que a produção estava caótica, eu vi os caras correndo para lá e para cá, mas eu nunca vi um show um festival com todo mundo cantando kumbaya e dando as mãos, nunca vi. Todo mundo está sempre correndo para lá e para cá."

As bandas Destruction, Anvil e Megadeth tocam no Metal Open Air, em São Luís, em 2012

Alex Trinta/G1

Thiago ficou sabendo do perrengue que o público estava passando no Metal Open Air quando foi dar autógrafos depois do show.

"Tava aquela 'muvuquinha', mas um cara conseguiu furar a segurança e veio até mim ele estava coberto de lama. Ele falou 'cara, eu vim aqui te falar para pedir ajuda para organização do evento'. Porque você não sabe o que está acontecendo na área de camping."

O camping oficial do evento ficava em um estábulo, com apenas um chuveiro para centenas de fãs acampados. O odor incômodo deveu-se ao fato de o Parque Independência, em São Luís, ser utilizado para sediar a Exposição Agropecuária do Maranhão (Expoema).

"O cara começou a me relatar tudo que estava acontecendo e eu falei 'Cacete, sério?' Claro que eu falei 'Não espera aí!' e eu fui atrás do Felipe Negri [produtor do evento]. E nessa hora ele tinha sumido", relembra. Thiago não conseguiu apurar o que estava acontecendo, mesmo perguntando para seguranças e para produtores do festival.

Depois que o show do Megadeth terminou, o vocalista do Shaman falou para os amigos de banda que era hora de ir embora. Para ele, o festival não tinha mais chance de "dar certo". Eles conseguiram lugares em um voo que estava saindo de São Luís com várias bandas "fugindo" antes do previsto.

"Era um clima de todo mundo ser testemunha de um atropelamento. Todo mundo estava pensando 'Nossa cara, você viu?'. Ninguém conseguia se sentar, não foi um voo com todo mundo dormindo", recorda.

Ele testemunhou conversas entre integrantes do Anthrax e do Megadeth sobre os problemas na estrutura do festival. Segundo eles, os perrengues eram parecidos com os que viveram nos anos 80 nos Estados Unidos.

"Todo mundo sabia que a história estava acontecendo diante dos nossos olhos e que nós estávamos fazendo parte de um evento que ficaria para a história do Metal brasileiro. Infelizmente de uma forma negativa, né?", completa Thiago.

Korzus e o show final

Marcello Pompeu, vocalista do Korzus, durante show no Metal Open Air, em 2012, em São Luís, no Maranhão

Acervo Pessoal/Dick

O line-up deveria ter 47 bandas, mas só 14 tocaram. Cada show, então, era comemorado como se fosse único, fosse ele de uma banda famosa ou de uma banda qualquer.

O Korzus, que não é uma banda qualquer, fez o último show do sábado. Acabou sendo o último show do festival, porque não houve evento no domingo. O Korzus acabou fazendo a trilha do fim do caos. Foi uma proeza o grupo paulista ter feito o grande show que fez.

Há de se considerar que a equipe de iluminação tinha debandado. Antes do show do Korzus, a maior parte da equipe técnica já havia parado de trabalhar. Os camarins, por exemplo, já estavam desmontados.

Marcello Pompeu, vocalista do Korzus, lembra bem do que viveu no Metal Open Air. Ao g1, ele diz que tinha conhecimento das confusões e da precariedade do evento antes do show, mas já havia recebido o cachê.

"A questão de subir no palco tocar foi uma decisão da banda", ele resume. "Tinha muita gente no show e a gente foi remunerado. Tava pago, tudo certinho. Como assim ir embora, né? Ao mesmo tempo, outras pessoas ficaram colocando muito medo na gente: 'se vocês forem, a galera vai subir vai quebrar tudo, vai pegar vocês, dar um pau em vocês'. Então, você via que era uma briga entre produtores."

Dick e Marcello Pompeu no show da Korzus no Metal Open Air, em 2012

Arquivo Pessoal/Dick

Ele garante que ouviu versões diferentes sobre o que estava acontecendo. Produtores ligados à Lamparina Produções Artísticas diziam uma coisa; pessoas da Negri Produções Artísticas diziam outra coisa. Ele não deixa claro qual das duas tentou convencê-los a não tocar, por causa do medo da reação dos fãs.

"Não podemos receber o dinheiro de um trabalho e ir embora, porque algumas bandas gringas receberam o cachê, mas por causa de uma caixa de guitarra ou por causa de um bumbo de bateria deram meia volta, volver."

Ele disse que a falta de estrutura e o clima de despedida do evento não atrapalharam a performance. "São poucas vezes que a gente goza de uma estrutura tão boa como aquela para fazer um show. Um palco bacana, uma galera bombado ali."

"A gente fica muito triste com isso, mas fora essas coisas aí, para nós do Korzus foi sensacional, porque a gente fez um show monstruoso. Eu fiquei até sem voz. De tantas músicas além do que a gente tinha se proposto a fazer para poder de alguma forma é suprir, né? Essa decepção que os headbangers estavam tendo lá."

Os fãs foram ressarcidos?

Público no sábado do festival Metal Open Air, em 2012, o dia mais cheio do evento em São Luís

Alex Trinta/g1

As duas produtoras trocaram acusações entre si, durante o evento e depois dele. Em 2018, a Justiça condenou que os organizadores pagassem uma indenização de R$ 3.541,83 por danos morais para cada um dos fãs.

Após a defesa do festival recorrer, o Ministério Público pediu a suspeição do juiz do caso, o que ainda não foi decidido pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. Não há previsão para retomada do processo.