Vitória da Conquista: Operação do MPT resgata doméstica em situação de trabalho escravo

Vitória da Conquista: Operação do MPT resgata doméstica em situação de trabalho escravo
Uma mulher de 52 anos foi resgatada esta semana no município de Vitória da Conquista, no sudoeste baiano, depois de permanecer por quatro décadas submetida a condições análogas à de escravo. Na operação de resgate, participaram o Ministério Público do Trabalho (MPT), de auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), da Defensoria Pública da União (DPU) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

A vítima, identificada apenas pelas iniciais M. S. S., foi retirada do local de trabalho, encaminhada para a residência de seus familiares e um acordo com a empregadora irá garantir o pagamento de verbas rescisórias e de indenização por danos morais. "Esse é um daqueles casos clássicos de empregada doméstica levada ainda criança para a casa do empregador e que nunca recebia salário sob o argumento de que seria da família. Essa é uma realidade que infelizmente vemos repetir, mas que os órgãos de fiscalização estão buscando combater", afirmou a procuradora Manuella Gedeon, coordenadora de combate ao trabalho escravo do MPT na Bahia.

O acordo foi proposto com a empregadora para evitar uma ação judicial. Pelo termo de ajuste de conduta (TAC) assinado nesta sexta-feira (1º), a patroa se comprometeu a pagar as verbas rescisórias e a indenização por dano moral no total de R$150 mil, em 50 parcelas mensais. A equipe de fiscalização ainda constatou outra irregularidade que deverá ser corrigida no acordo. A patroa se apropriou irregularmente de um benefício de prestação continuada (BPC) obtido pela vítima depois de ser diagnosticada com um tumor cerebral há alguns anos.

A mulher convenceu a doméstica a aplicar o dinheiro na compra parcelada de um terreno no bairro Lagoa das Flores, em Vitória da Conquista, mas o imóvel não estaria registrado em nome dela, e sim da empregadora. No TAC, a patroa também se compromete a transferir a propriedade do imóvel para a empregada. Com o acordo assinado, ela poderá viver no município de Itacaré, no sul do estado, onde reside seu pai, cantando com a renda mensal das prestações da rescisão de contrato, e o benefício previdenciário ou aposentadoria.

"Eu já participei de diversas operações de resgate de trabalho doméstico e muitas vezes a mesma justificativa de que pegou para criar de que é filha de criação, mas este caso foi estarrecedor, e quando a gente vai ver, os filhos formados enquanto ela nem terminou a quarta série. E o pior: neste atual estágio da pandemia, ela não tinha tomado nenhuma dose da vacina. E eu me pergunto que mãe deixa um filho sem vacina", avaliou o defensor público Ricardo Luiz Wanderley da Fonseca.

Com a formalização do acordo e o reconhecimento do vínculo empregatício, a vítima deverá perder o direito a receber o BPC. Por isso, a Defensoria Pública da União deverá representar a empregada para a obtenção de aposentadoria por invalidez permanente em razão do tumor cerebral diagnosticado há alguns anos. O suporte à vítima está sendo coordenado pela Secretaria da Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do estado, que conduziu ela até a residência de seu pai e monitora sua situação social.

A operação de resgate foi deflagrada após uma denúncia feita ao MPT de Vitória da Conquista no ano passado. Antes de ir até a pensão para estudantes onde a vítima. trabalhava, foi necessário fazer uma série de investigações preliminares, mas ao chegar ao local o teor das denúncias foi confirmado. Ao ser ouvida pelos auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, a vítima contou que começou a trabalhar para a patroa quando tinha apenas 12 anos. Na época, ela morava numa fazenda em Ubaitaba, no sul baiano, e o pai concordou em deixar a filha seguir com a empregadora para Itabuna, onde ela residia naquela época. Nos primeiros anos, ela ainda tinha contato com o pai, que a visitou algumas vezes, mas com a mudança da patroa para o município de Vitória da Conquista esse contato se rompeu.

Somente em 2019, mais de 30 anos depois de ter visto o pai pela última vez, a vítima reatou o contato com sua família. Ela já se sentia em situação análoga à de escravos. Contou aos integrantes da força-tarefa que viu em um programa de televisão a notícia do resgate de uma empregada doméstica como ela que permaneceu por décadas na casa da patroa e que também teve benefícios previdenciários usurpados pelo empregador. A partir de então, passou a alimentar a esperança de ser resgatada da situação que vivia. Mas o caso só chegou ao conhecimento das autoridades por causa de uma denúncia encaminhada por um delegado da Polícia Federal, que fez a comunicação ao MPT.