Paulinho Camafeu, o compositor que pôs o bloco na rua com orgulho negro

Paulinho Camafeu, o compositor que pôs o bloco na rua com orgulho negro
Autor de sucesso histórico do Ilê Aiyê no Carnaval baiano de 1975, ritmista morre aos 73 anos em Salvador sem o devido reconhecimento nacional. Paulinho Camafeu na capa do single 'Axé do afoxé'

Reprodução / Capa do disco 'Axé do afoxé'

? OBITUÁRIO – Como outros cantores, compositores e ritmistas negros da Bahia, sobretudo os associados ao Carnaval de Salvador (BA), Paulinho Camafeu sai de cena sem o devido reconhecimento nacional.

A morte do soteropolitano Paulo Vitor Bacelar na noite de segunda-feira, 29 de novembro de 2021, aos 73 anos, em decorrência de problemas cardíacos, seria motivo para decretação de luto no Brasil se as autoridades do país valorizassem de fato a cultura afro-brasileira difundida pela Bahia.

Ritmista de blocos de Salvador (BA) como Apaches do Tororó e Deixe a vida de Kelé, com passagens por escolas de samba como Ritmistas do Samba e Unidos do Vale do Canela (na qual desfilou como mestre-sala), o artista se lançou como compositor em 1973.

Neste ano de 1973, o Conjunto Nosso Samba editou single com P de Papa, música que tinha Paulinho Camafeu – já com o sobrenome artístico herdado do padrinho, o compositor e mestre de capoeira Camafeu de Oxossi – como um dos três autores.

Contudo, foi a partir de 1974 que Paulinho Camafeu começou a fazer história na música da Bahia (e do Brasil) ao compor Ilê Aiyê, música mais conhecida como Que bloco é esse?. O bloco era o Ilê Aiyê, agremiação negra que apresentou o tema de Camafeu no Carnaval de 1975.

Negro que carregou traços indígenas no rosto, nascido em 1948 na cidade de Salvador (BA) e criado no bairro do Pau Miúdo, onde começou a desenvolver os dotes de percussionista, Paulinho contribuiu decisivamente para mostrar o mundo negro de matriz africana ao folião baião com esse hit que extrapolou as fronteiras soteropolitanas e conquistou o Brasil.

“Que bloco é esse? / Eu quero saber”, perguntou Camafeu nos versos da música que lhe tirou do anonimato. “É o mundo negro que viemos mostrar pra você / Somos crioulo doido / Somos bem legal / Temos cabelo duro / Somos Black Power”, respondeu o próprio compositor, nos versos subsequentes de Ilê Aiyê, música que Gilberto Gil, atento aos sinais, incluiria dois anos depois no álbum Refavela (1977), disco onde o artista baiano, soteropolitano como Camafeu, conectou vários pontos do pop negro que floresceu na década de 1970 no Brasil e no mundo.

Paulinho Camafeu era ritmista e compositor

Divulgação

Difusor dos sons, ritmos e ideologias do mundo negro, Paulinho Camafeu fez história novamente dez anos após o antológico Carnaval baiano de 1975. Em 1985, o compositor foi parceiro de Luiz Caldas na música, Fricote, que detonou a explosão nacional da música afro-pop-baiana logo rotulado como axé music.

Camafeu – que já tinha firmado parceria com Pepeu Gomes em Vale do Bonocô (1980), Agô do pé (1981) e Olodum origem negra nagô (1982) antes de compor com Luiz Caldas essa música de letra hoje rejeitada pelo próprio cantor pelo teor racista e machista ignorado pelo Brasil em 1985 – se inseriu no movimento da axé music e adequou a produção autoral ao tom do repertório folião desse gênero musical carnavalesco.

Dez anos depois de Fricote, o compositor emplacou outro sucesso eterno da folia baiana, Menina do Cateretê, parceria de Camafeu com Bell Marques e Chocolate da Bahia apresentada pelo grupo Chiclete com Banana no álbum Menina dos olhos (1995). Dois anos antes, o mesmo Chiclete já fizera grudar nos ouvidos soteropolitanos outra parceria de Bell Marques com Camafeu, Meu cabelo duro é assim (1993).

Como cantor, o artista foi bem menos ouvido do que o compositor, tendo editado sem a devida repercussão alguns poucos álbuns (casos de Mãe natureza, de Povo eu povo você e de É o som do afoxé, a paz do mundo, editados em 1987, 1992 e 2000, respectivamente) e singles (como Axé do afoxé).

Paulinho Camafeu foi maior do que faz supor os registros do artista na bibliografia musical brasileira. É que poucos brasileiros fora da Bahia souberam o grande valor que Paulo Vitor Bacelar teve na cultura do Brasil. Camafeu pôs o bloco na rua com orgulho negro.