O samba é o pai do prazer de Alfredo Del-Penho, João Cavalcanti, Moyseis Marques e Pedro Miranda no álbum 'Desengaiola'

O samba é o pai do prazer de Alfredo Del-Penho, João Cavalcanti, Moyseis Marques e Pedro Miranda no álbum 'Desengaiola'
Afeto e cumplicidade regem a gravação audiovisual feita pelo quarteto na serra fluminense com Pedro Luís na produção musical. Capa do álbum 'Desengaiola', de Alfredo Del-Penho, João Cavalcanti, Moyseis Marques e Pedro Miranda

Arte de Paula Guimarães-Rosa

Resenha de álbum / Registro audiovisual

Título: Desengaiola

Artistas: Alfredo Del-Penho, João Cavalcanti, Moyseis Marques e Pedro Miranda

Edição: MP,B Discos / Som Livre

Cotação: * * * *

? Basta perceber os olhares trocados entre Alfredo Del-Penho, João Cavalcanti, Moyseis Marques e Pedro Miranda ao longo do registro audiovisual que gerou o álbum Desengaiola – lançado na sexta-feira, 14 de março, juntamente com o vídeo da gravação no YouTube – para perceber a cumplicidade entre os quatro artistas.

É visível a satisfação com que os cantores, compositores e músicos desfiam 18 músicas captadas em cenário bucólico em encontro realizado em outubro de 2020 no distrito de Palmares, em Paty do Alferes (RJ), no interior do estado do Rio de Janeiro, sob direção musical de Pedro Luís com João Cavalcanti.

O prazer do quarteto está tanto no “lá ia lá iá” coletivo ao fim de Para quem quiser escutar (Alfredo Del-Penho e João Cavalcanti, 2018) quanto nos versos improvisados (?) por cada cantor nas estrofes que arrematam o partido alto Nem junto nem misturado (João Cavalcanti e Moyseis Marques, 2012).

Esse partido foi apresentado originalmente há uma década no primeiro encontro profissional do quarteto, Segunda Lapa (2012), show cujo título mencionava o boêmio bairro do centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ) onde, a partir do fim dos anos 1990, convergiram os caminhos do fluminense Alfredo, do mineiro Moyseis e dos cariocas João e Pedro.

No roteiro do show Segunda Lapa, havia Alagados (Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone, 1986), música da banda Paralamas do Sucesso revivida pelo quarteto em Desengaiola. Alagados deu título ao EP lançado em 18 de novembro com quatro das 18 faixas do álbum ao vivo.

No EP, além da faixa-título, o quarteto disparou Gatilho (2021) – samba de terreiro então inédito da lavra de Moyseis com Teresa Cristina – e as regravações de Poeta é outro lance (Moyseis Marques, 2015) e o samba-canção Vontade de sair (Pedro Miranda e Moyseis Marques, 2021), crônica sobre angústias do isolamentos social apresentada no quarto álbum solo de Pedro Miranda, Da Gávea para o mundo (2021).

A edição do álbum Desengaiola liberta as gravações de músicas novas como Alameda Palmares e Luz do meu terreiro, ambas assinadas pelos quatro compositores.

O samba Alameda Palmares expõe, em rota poética, os anseios e os caminhos (do coração) seguidos pelo quarteto até a bifurcação conjunta na serra fluminense.

Já Luz do meu terreiro é samba apresentado em 2019 em show do grupo, mas até então inédito em disco. Luz do meu terreiro se ilumina justamente por ter sido criado e interpretado irmãmente pelos quatro artistas, em atestado do afeto que rege o encontro em Paty do Alferes, filmado por Eduardo Hunter Moura.

Alfredo Del-Penho (à esquerda), João Cavalcanti, Moyseis Marques (de boné) e Pedro Miranda (à direita) lançam o álbum 'Desengaiola'

Sabrina Mesquita / Divulgação

As individualidades musicais de Alfredo Del-Penho, João Cavalcanti, Moyseis Marques e Pedro Miranda soam diluídas e integradas em obra coletiva. Todos estão juntos e misturados o tempo todo, se alternando no canto e nos toques dos instrumentos (há violões, cavaquinho e variado arsenal percussivo) como se estivessem em roda de samba de informalidade traduzida pelos figurinos casuais.

Talvez por isso, a temperatura de Desengaiola jamais varie ao longo das 18 músicas, sensação potencializada pela filmagem da Hunter Filmes, mais hábil na exposição de detalhes sensoriais – como o prazer visível nos olhos dos artistas – do que na alternância de atmosferas, mesmo quando o cenário muda (há números captados em bucólica área externa e outros filmados no interior da casa).

O samba é o pai desse prazer cúmplice dos artistas, reverentes a bambas que o antecederam na linhagem do gênero. Rosa canção (Alfredo Del-Penho e Moyseis Marques, 2022) tributa o show Rosa de ouro (1965), plataforma para a exposição de ícones então debutantes como Paulinho da Viola e a cantora Clementina de Jesus (1901 – 1987). Diplomata (João Cavalcanti e Alfredo Del-Penho) reverencia a poesia de Vinicius de Moraes (1913 – 1980) com pagode de sotaque nordestino, acentuado pelo toque da zabumba por João.

Na transversal do tempo, o quarteto de certa forma reverencia a si próprio quando garimpa Puro ouro (Joyce Moreno, 2012), samba que os quatro cantores gravaram com Joyce Moreno em álbum lançado há uma década com a faixa em que a anfitriã celebrava a riqueza da geração de Alfredo, João, Moyseis e Pedro.

Com o samba-título Desengaiola (Alfredo Del-Penho e Pedro Miranda, 2018) vinda do último álbum de Alfredo, Samba só (2018), o álbum do quarteto tem o clima de congraçamento realçado no arremate com Fuzuê (Alfredo Del-Penho e Chico César, 2022), faixa de forte base percussiva.

Pode chamar gente para a festa! O prazer é todo de Alfredo Del-Penho, João Cavalcanti, Moyseis Marques e Pedro Miranda.