Joan Osborne, de 'One of Us', foi onipresente em rádios cantando sobre Deus: 'Recebi ameaças de morte'

Joan Osborne, de 'One of Us', foi onipresente em rádios cantando sobre Deus: 'Recebi ameaças de morte'
Ao g1, cantora relembra hit que fez alguns religiosos protestarem. Ela comenta fase atual, com músicas politizadas e faxina musical. Série 'Quando eu hitei' tem artistas que sumiram. Quando eu hitei: Joan Osborne, de 'One of Us', foi onipresente cantando sobre Deus

Joan Osborne é a dona de uma das vozes mais onipresentes nas rádios em 1996 graças a um pop rock em que ela perguntava: “E se Deus fosse como um de nós?”

Mas "One of us" foi parar no repertório da cantora americana por acaso: o compositor da música, Eric Bazilian, queria que ela fosse cantada por um homem com a voz grave. A versão com vocal mais agudo, como se fosse uma criança perguntando, virou um sucesso muito tocado até hoje.

Falar sobre Deus com tanto desprendimento fez com que Joan tivesse que lidar com manifestações na frente de shows e algumas ameaças. "Houve pessoas que fizeram objeções à música, elas sentiram que era um sacrilégio. E eu recebi ameaças de morte na época", relembra em entrevista ao g1 (veja acima).

Na série semanal "Quando eu hitei", artistas do pop relembram como foi o auge e contam como estão agora. São nomes que você talvez não se lembre, mas quando ouve a música pensa “aaaah, isso tocou muito”. Leia mais textos da série e veja vídeos ao final desta reportagem.

A cantora americana Joan Osborne

Divulgação/Jeff Fasano/Site Oficial

Para ela, a pressão e as ameaças não tinham a ver só com os versos do hit. "Eu acho que tinha a ver com o fato de que eu estava muito envolvida em ser a favor das mulheres poderem fazer um aborto se quisessem. Falar isso era parte de quem eu era, mas eu também podia cantar uma música sobre Deus. Acho que isso assustou algumas pessoas, então decidiam protestar na frente dos meus shows."

Uma letra para cantar grosso

Em certa manhã de 1994, Bazilian entrou no estúdio com cara de quem estava escondendo algo. "Ele disse que tinha acordado no meio da noite, teve a uma ideia para uma música e foi até o estúdio caseiro fazer uma rápida versão demo. Ele perguntou se a gente gostaria de ouvir. Então, a gente falou 'claro, adoraríamos ouvir'."

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Na gravação original, Eric cantava com um vocal muito, muito grave (ouça a versão no vídeo do topo). "Era meio sujo, sabe? Quase uma coisa meio Leonard Cohen ou algo assim e ele disse: “pois é, eu vou mandar essa música para o Crash Test Dummies, porque eu gosto mesmo da voz grave, bem grave daquele cara e acho que é perfeita para eles."

O Crash Test Dummies era uma banda de rock canadense que fez sucesso com uma música bem bizarra chamada “Mmm mmm mmm mm”, de 1993.

"Mas o produtor do disco, Ric Chertoff, ouviu a música e disse: 'Por que você não deixa a Joan cantar essa música?' E eu fiquei tipo 'Hm, sério? Não sei… tudo bem, mas ele quer essa outra banda. Eu não preciso disso'. Mas o Rick disse 'Não, você precisa cantar essa música'. Ele foi muito insistente."

A insistência fez com que a cantora ouvisse de novo "One of us". "Foi um pouco difícil para mim superar esse vocal super grave. Mas eu fui prestando atenção na letra."

"Ela me faz lembrar aquele tipo de pergunta que uma criança pequena faria, sabe? Ela puxa a sua manga da camisa e pergunta... Elas não sabem como nada funciona, então querem saber coisas que nós, como adultos, achamos óbvias."

Joan Osborne no clipe de 'One of us'

Reprodução

Joan diz que se inspirou na filha para tomar a música para si. "Lembro de quando ela era muito pequena e veio até mim e me perguntou 'Mamãe, quando o tempo começou?' Então, eu ouvi a música quase como uma criança perguntaria", explica a cantora, rindo.

"Então, decidi levá-la mais para essa parte mais terna, mais aguda do meu registro vocal para dar à música um pouco daquela inocência. E eu acho que o desempenho da música fala por si só."

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A ternura deu mesmo certo. Até hoje, "One of us" segue nas programações de rádios e nos programas de calouros. "Se você alguma vez já assistiu a um desses 'America's Got Talent', 'Filipina's Superstar' ou o que quer que seja. Tem sempre gente cantando."

Só contando as versões de “The Voice”, participantes da Rússia, Israel, Angola, África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos já cantaram “One of us”.

Joan Osbourne em três capas de revista, no auge da fama, entre 1995 e 2005

Reprodução

Em filmes, a música também já foi lembrada. Para fins quase opostos. Ela funciona em momentos de zoeira, como na cena de Dr. Evil cantando em "Austin Powers: O Agente Bond Cama" (1999). Mas vale para o drama de "Vanilla Sky" (2001), na voz de Tom Cruise.

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"Ela vai até além da minha versão, acho que tem algo sobre essa música, um apelo universal nas pessoas que pensam sobre espiritualidade de uma forma que pode ir além do que é dito pelas principais religiões, sobre especular um pouco mais, sabe?"

Se nem Jesus agradou a todos...

É claro que “One of us” tem um lado mais sério do que o Mike Myers tocando uma versão no piano. Muitos religiosos ligaram para Joan elogiando a música.

"Algumas pessoas religiosas me disseram 'estamos cantando essa música com nosso grupo de coro juvenil e ela está trazendo os jovens de volta à igreja e podemos usar isso como uma forma de abrir uma discussão com esta geração mais jovem'."

Joan Osboune nos anos 90 e em foto recente

Reprodução/Facebook da cantora

Mas nem tudo foi alegria, sucesso e espiritualidade. Entre um show lotado e outro, ela teve que conviver com protestos de grupos religiosos que não gostaram do tratamento mais mundano dado a Deus na letra da música.

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"Havia muita controvérsia sobre a música e eu tive que repensar meus sentimentos sobre ela. Indo um pouco além do que eu pensava no início." Joan cita a história do "Bom Samaritano". "Como se Deus fosse apenas um estranho no ônibus, Deus poderia ser qualquer pessoa no mundo e importa como você trata cada pessoa no mundo."

O maior aperto que ela passou foi em um show na Filadélfia, nos Estados Unidos. "Havia uma multidão muito grande, caminhões de notícias... Era meio irreal para mim. Achei que aquilo iria passar bem rápido, porque apareceria outra notícia que tiraria isso das primeiras páginas e as pessoas logo se esqueceriam. Enquanto eu tinha bons seguranças em torno de mim, eu me sentia bem."

Ela diz que não se permitia sentir medo. "Um dos lados ruins da fama é que você está na posição em que pode virar um alvo para todos os tipos de pessoas que têm vários tipos de ideia sobre quem você deveria ser ou não deveria ser. E você não pode gastar tempo pensando nisso. Você não fica lendo os comentários abaixo dos seus posts nas redes sociais", ensina, rindo.

Estreia no Brasil

A cantora americana Joan Osborne

Divulgação/Facebook da cantora

No auge de “One of us”, nos anos 90, Joan não veio ao Brasil. Só que em 2018, ela teve a chance de vir pela primeira vez, fazendo shows acompanhada por músicos brasileiros e pelo marido, o pianista Keith Cotton.

"Minha primeira impressão de estar em São Paulo é que ela é bem parecida com Nova York. Tenho certeza de que todo mundo diz isso... o quão cosmopolita ela é, e o quão ativa ela é… tem essa sensação de energia, de possibilidades, com todos fazendo coisas interessantes e ótimos restaurantes, vida noturna. Eu senti muito como se eu estivesse em Nova York e acho que foi um pouco uma surpresa para mim."

Ela sabe do que ela está falando. Joan nasceu no estado americano do Kentucky, mas se mudou nos anos 80 para Nova York, para estudar cinema. E por lá ficou.

Uma dúzia de álbuns

Joan poderia ter ficado conhecida por um álbum com covers de Bob Dylan. Ou pelos shows em clubes de jazz nos Estados Unidos. Ou pelo repertório politizado e com forte influência do blues. Hoje, aos 59 anos, e com 12 álbuns na discografia, ela quer voltar ao Brasil, não só para cantar “One of Us”.

A cantora americana Joan Osborne

Divulgação/Facebook da cantora

Nos últimos meses, ela tem regravado músicas que ela descobriu durante a pandemia da Covid-19. São canções inacabadas, lados B, enfim, material que ela encontrou enquanto estava vasculhando os arquivos dela durante a quarentena.

Basicamente, ela transformou uma faxina na casa em um projeto musical. E os fãs dela adoraram isso, é claro. Uma dessas músicas “Real Love”, era de 2003.

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"Descobri quando estava limpando meu armário e pensei: 'Uau, isso é muito legal. Tenho certeza de que meus fãs iriam gostar de ouvir isso'. E eu gosto da ideia de ter tudo isso como parte desta coleção de canções que estiveram meio que enterradas por anos. E eu fui tipo uma arqueóloga desenterrando isso, sabe?"

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Antes desse processo de quase arqueologia, a Joan Osborne lançou o álbum “Trouble and strife”, em 2020. A tradução literal é "Problemas e conflitos" e é sobre isso que ela fala nas letras das 10 músicas do disco, feitas a partir da eleição do Donald Trump.

A capa do álbum 'Trouble and strife', de Joan Osborne

Reprodução

"Eu fiquei muito chocada e eu estava sentada lá com minha filha... em 2016, ela tinha 10 anos na época, ou 11. E eu estava sentada com ela assistindo aos resultados e esperando que ela e eu testemunharíamos juntas a eleição da primeira mulher presidente nos Estados Unidos."

Hilary Clinton perdeu para o Trump e ele foi o presidente dos Estados Unidos entre 2017 e 2021. "Eu posso marchar nas ruas e posso doar dinheiro a organizações em que acredito, mas também sou músico e intérprete. Então, tenho uma plataforma que outras pessoas não têm."

"Não é que eu ache que uma música vai mudar alguma coisa na realidade do mundo político, uma música não vai fazer com que alguém seja eleito ou não, não vai mudar a política de imigração", reconhece. "Mas a maneira como pensamos as coisas é influenciada pela música que ouvimos."

"Então, qualquer pequena influência que eu possa ter para o positivo, para o bem, eu quero usar isso e quero ser um modelo para minha filha, em vez de levantar minhas mãos para cima e dizer: 'bem, eu não posso fazer nada e isso é uma merda, mas só vou sair, sair para beber ou qualquer coisa para tentar esquecer'."

VÍDEOS: Quando eu hitei