Zabelê recua ao voltar para o colo dos pais no disco 'Auê'

Zabelê recua ao voltar para o colo dos pais no disco 'Auê'
Cantora aborda sucessos de Baby do Brasil e Pepeu Gomes com convidados como Ney Matogrosso, Dadi, Carlinhos Brown e Evandro Mesquita. Capa do disco 'Auê', de Zabelê

Fernando Young

Resenha de álbum

Título: Auê

Artista: Zabelê

Edição: Independente / Warner Music

Cotação: * * 1/2

? Segundo disco solo de Zabelê Gomes, Auê representa retrocesso em relação ao primeiro álbum da cantora e compositora carioca, filha de Baby do Brasil e Pepeu Gomes.

Se o antecessor Zabelê (2015) flagrou a artista alinhada com a geração carioca que despontou no século XXI, dando voz a repertório inédito e desbravando o próprio caminho após a trajetória no trio fraterno SNZ, Auê simboliza a volta para o ninho, para o conforto do repertório dos pais, como já haviam sinalizado os dois primeiros singles, Preta Pretinha e Deusa do amor.

Sucesso da obra-prima da discografia do grupo Novos Baianos, coletivo que projetou Baby e Pepeu na primeira metade dos anos 1970, Preta pretinha (Moraes Moreira e Luiz Galvão, 1972) ganhou a cor de Carlinhos Brown. A participação do tribalista no canto cheio de improvisos e no toque múltiplo das percussões (agogô, conga, djembe e timbau) injetou energia luminosa na abordagem de Preta pretinha por Zabelê.

Balada apresentada na voz de Pepeu Gomes no álbum Masculino e feminino (1983), com a aura tecnopop dos anos 1980, Deusa do amor (Pepeu Gomes e Baby do Brasil, 1983) ressurge envolta em clima mais viajante, quase espacial. O fraseado suave da gaita de Evandro Mesquita, convidado da gravação, sublinha a delicadeza da abordagem.

Zabelê lança o segundo disco solo, 'Auê', na quinta-feira, 9 de dezembro

Fernando Young / Divulgação

Disco situado na tênue fronteira entre EP e álbum por conter somente sete faixas, Auê chega ao mundo digital na quinta-feira, 9 de dezembro, com produção musical, arranjos, mixagem e masterização de Wagner Fulco, que também se reveza no toque de quase todos os instrumentos ouvidos no disco.

Em que pese o apelo perene do repertório, o disco tem moderado poder de sedução. Se o cancioneiro abordado por Zabelê estivesse esquecido, Auê poderia até se justificar. Contudo, são músicas que atravessaram o tempo nas vozes de Baby e/ou Pepeu. E o fato é que algumas dessas músicas soam meramente modernosas em Auê.

É o caso de Masculino e feminino (Pepeu Gomes, Baby do Brasil e Didi Gomes, 1983), regravada por Zabelê com guitarra, um toque de rap e a voz de Ney Matogrosso, convidado apropriado por se tratar de artista que quebrou barreiras de gênero nos anos 1970.

É também o caso de Menino Deus (Caetano Veloso, 1982), embalado em arranjo que empana o brilho do toque do acordeom de Mestrinho em gravação que traz a voz sutil de Dadi, integrante d'A Cor do Som, grupo descendente dos Novos Baianos que apresentou a canção de Caetano Veloso no álbum Magia tropical (1982).

Outra surpresa do repertório do disco Auê, Toda donzela (Pepeu Gomes, Baby do Brasil e Didi Gomes, 1980) embute ao fim trecho de locução do ex-jogador e comentarista de futebol Walter Casagrande – entrada graciosa, já que Casagrande namorou Baby do Brasil, mãe de Zabelê.

Zabelê regrava 'Masculino e feminino' com Ney Matogrosso

Fernando Young / Divulgação

Turbinada com a guitarra assombrosa de Pepeu Gomes, a abordagem de Telúrica (Baby do Brasil e Jorginho Gomes, 1982) escancara o DNA de Baby no canto de Zabelê.

Por fim, no fecho do disco Auê, a música inédita Menina do Brasil persegue o suingue pop tropical para justificar a letra costurada com versos como “Menina do rio que bate um pandeiro / Sacode a Bahia e o chão brasileiro”, alusivos aos títulos de vários sucessos de Baby e Pepeu dentro e fora do grupo Novos Baianos.

Enfim, a reverência afetiva de Zabelê ao repertório dos pais certamente faz todo sentido para a artista. Contudo, musicalmente, a volta da cantora para o colo dos pais no disco Auê é recuo desnecessário para quem já havia cortado o cordão umbilical no primeiro álbum solo.