EMF, 'Unbelievable' e um vocalista 'constrangido' que virou professor: 'Era uma luta estar no palco'

EMF, 'Unbelievable' e um vocalista 'constrangido' que virou professor: 'Era uma luta estar no palco'
James Atkin dá aulas de música para jovens, 'a melhor coisa' que já fez. Ao g1, ele diz que não tinha aparência e voz para ser cantor. 'Quando eu hitei' relembra artistas que sumiram. Quando eu Hitei: Vocalista do EMF troca os palcos pelas salas de aula

Em outubro de 1990, cinco jovens ingleses de 20 e poucos anos lançaram uma música meio estranha. Ela era formada por um riff insistente, uma letra sobre um “date ruim” e um monte de sample de gente falando.

Tinha grito de humorista, rapper berrando e até um membro do Partido dos Panteras Negras discursando. O som era uma zona, tinha tudo para dar errado, mas fez sucesso. “Unbelievable” chegou ao primeiro lugar da principal parada dos Estados Unidos e tocou demais nas rádios brasileiras.

Na série semanal "Quando eu hitei", artistas do pop relembram como foi o auge e contam como estão agora. São nomes que você talvez não se lembre, mas quando ouve a música pensa “aaaah, isso tocou muito”. Leia mais textos da série e veja vídeos ao final desta reportagem.

O quinteto inglês EMF do hit 'Unbelievable'

Divulgação

James Atkin era o vocalista do EMF, mas um vocalista diferente dos outros. Enquanto os outros integrantes estavam enfiando bananas (?) no ventilador (??) do backstage do Hollywood Rock, na edição de 1992 do festival brasileiro, ele ficava quase sempre no canto.

Atkin só era o homem de frente no palco, com boné para trás ou um chapéu, o corpo balançando como um boneco do posto e cara de “pois é, me deram esse microfone aqui”.

“Queria ter aproveitado um pouco mais. Eu era meio sério demais”, reconhece, em entrevista ao g1 (veja no vídeo acima). “Eu era novo, não era tão confiante. Era uma luta estar no palco, nervoso. Costumava ficar meio ansioso na maior parte do tempo, enquanto todos ao meu redor pareciam estar realmente se divertindo.”

James Atkin no começo dos anos 1990 e em 2020

Reprodução/Site do cantor

Hoje, ele parece estar bem mais vontade como frontman. Mas ele fica na frente de alunos e alunas, não de fãs. James fez um curso de licenciatura e dá aulas de música para estudantes de 11 a 18 anos na Escola Católica da Sagrada Família em Keighley, cidade de 70 mil habitantes no norte da Inglaterra.

“Eu imaginava me aposentar e só ter uma vida agradável e calma, mas decidi que queria fazer algo produtivo. Então, eu fiz um pouco de trabalho voluntário trabalhando em um lugar onde eles ensinavam as pessoas como produzir e ser DJ. Eu pensei: eu amo isso.”

“Por alguns dias na semana, eu vou para a escola e dou aulas, o que é provavelmente a melhor coisa que eu já fiz, porque eu realmente amo isso. Meio que me dá um pouco de foco.”

Escola de acid house

Escola Católica da Sagrada Família em Keighley, na Inglaterra

Divulgação/Site da escola

Ele conta que ensina estilos variados para os mais novinhos. “Ensino o básico de música e, às vezes, tecnologia musical. Claro, esse é o meu background fazendo música. Você sabe, usando computadores, sintetizadores e gravando.”

Mas será que ele se sente como o Jack Black no filme “Escola de Rock”? “Eu me sinto totalmente como ele”, responde, rindo. “Você não faz ideia do quão parecido eu sou com ele. Não tanto rock. Mas eu gosto de techno e dance music. Então, eu sempre coloco um pouco de acid house para animar um pouco.”

No geral, os alunos sabem sobre o passado do “teacher” no EMF. “É incrível o quanto eles realmente conhecem, considerando que todos eles não tinham nascido quando aquele disco saiu e divertiu os pais e, assustadoramente, os avós deles.”

“Então, quando eu faço coisas tipo encontro com pais e mães, noites com os pais dos alunos, é quando fica um pouco constrangedor.”

James Atkin com a esposa e com um dos filhos

Reprodução/Instagram do cantor

Quando não está dando aula, ele fica no estúdio caseiro e passeia com a esposa e os filhos. Aos 52 anos, ele mora em uma vila em Yorkshire Dales, 50 quilômetros distante da escola onde trabalha. “Moramos em um lugar bem bonito. Tem muita natureza por aqui, ciclovias. Venho pegando leve.”

Zoeira no clipe e no camarim

O clipe de “Unbelievable” mostra como esse era um hit bem… inacreditável. O EMF encheu uma pequena casa de shows em Gloucester, cidadezinha no sul da Inglaterra, e aí tocou a música dezenas de vezes. O vídeo parece mesmo um bando de moleques tocando só para amigos (veja trechos no vídeo do topo).

“Na época, não sabíamos que seria um grande sucesso mundial. Então, nós fizemos em uma casa de shows local e parecia que nós faríamos um show à noite quando estávamos gravando um vídeo. Então, convidamos os nossos amigos. Foi num lugar na nossa cidade natal e a gente se divertiu demais.”

A banda acabou oficialmente em 1996, depois voltou para mini turnês, mas o auge foi no começo dos anos 90. A despretensão era parte do segredo. Eles pareciam estar nem aí. Por isso, já foram chamados de New Kids on the Block do rock ou Sex Pistols do pop.

O EMF com James Atkin e Zac Foley (1º à direita)

Divulgação/Site Oficial

Amparados por “Unbelievable”, a banda veio tocar no Rio e em São Paulo. Os shows foram no Hollywood Rock, em janeiro de 1992, nas noites de Living Colour e Lulu Santos. Deixaram no Brasil a fama de simpáticos e baderneiros.

“Havia um ditado: "Se você for ao camarim depois do Zac, não coma nada que estiver por lá, porque você não sabe o que ele pode ter feito com a comida. Éramos apenas cinco jovens rapazes nos divertindo e sabíamos que ninguém poderia nos dizer como deveríamos nos comportar.”

Zac é o baixista do EMF, Zac Foley. Ele morreu em 2002, após uma overdose de heroína, cocaína, ecstasy e álcool em uma festa de réveillon. Zac se foi novo, aos 31 anos, mas deixou muitas histórias que o James segue contando:

“Teve uma vez na Argentina que a gente conseguiu tirar todos os móveis do camarim, com cadeiras e mesa, e colocar em um banheiro super pequeno.”

Quando o produtor argentino veio perguntar se estava tudo bem, não entendeu nada. “Tudo do camarim tinha sumido, um monte e monte de móveis antigos. Geralmente, a gente estava bem bêbado, então é bem difícil de lembrar tudo.”

James Atkin e Ian Dench do EMF tocam em live, em março de 2020

Reprodução/Twitter do cantor

Além de Foley e Atkin, quem estava por trás do som do EMF era o guitarrista Ian Dech. Foi a partir de uma ideia dele que “Unbelievable” foi criada. Tudo foi pensado a partir de um riff de guitarra.

“Ele apareceu no ensaio com uma ideia que já estava bem definida”, recorda Atkin. “Ele estava andando de bicicleta pela cidade, tinha acabado de terminar com a namorada, e a ideia veio na cabeça dele, quase completa.”

O vocalista lembra que as primeiras demos caseiras de Dech já tinham a estrutura bem parecida com a da versão final. “Depois, algumas palavras mudaram, foi um pouco mais desenvolvida. Mas era apenas uma em um monte de músicas e não pensamos que seria aquela que iria se tornar um sucesso.”

Depois do EMF, Ian continuou compondo para outros artistas. Dentre várias músicas, o guitarrista é um dos autores de “Beautiful Liar”, que uniu Beyoncé e Shakira. Também compôs outras para essas cantoras, incluindo "Gypsy", da colombiana.

House caseiro

James Atkin, do EMF, segue em carreira solo e ainda canta o hit 'Unbelievable' em shows

Divulgação

A rotina como professor toma boa parte do tempo de James, mas ele se mantém ativo em lives, em shows esporádicos do EMF e lançando álbuns solo. O ritmo frenético do house, que ele tanto gosta, não combina com o ritmo caseiro da vida dele.

“Foi um turbilhão enquanto durou aquilo, uns cinco, seis anos, e demorou uns 10, 15 anos para superar e me acalmar um pouco. Mas agora estou começando uma vida mais tranquila.”

Ele também não importunado como antes, é claro. Antes, fãs acampavam do lado de fora da casa dos pais dele. “Fãs vasculhavam as lixeiras... Sempre era estranho ficar em hotéis porque eles descobriam o número do quarto. Rolavam batidas na porta no meio da noite.”

“Quando "Unbelievable" estava no auge, andava pela rua e de repente notava que estava sendo seguido por um monte de gente.”

O EMF no começo dos anos 90

Divulgação/Site oficial da banda

Mas a multidão de fãs começou a desaparecer, porque o EMF nunca conseguiu repetir o sucesso de “Unbelievable”.

“Foi um pouco como um fardo, mas agora eu olho para trás e é uma coisa ótima da nossa história. Tenho muitos amigos que estão em bandas e eles não tiveram um grande sucesso como nós. Ele ainda é bem-sucedido e lucrativo.”

A banda ainda ganha um bom dinheiro com direitos autorais pelo uso em anúncios, filmes e séries. “Obviamente, eu teria gostado de ter mais umas cinco ou seis músicas como "Unbelievable", mas ter apenas uma é uma bênção, é fantástico.”

Mais polêmicas do que hits

Com todos sorrindo, menos Atikin, o EMF e executivos de gravadora comemoram um milhão de cópias vendidas de 'Schubert Dip', álbum de estreia

Divulgação/Site oficial da banda

O EMF lançou outros singles que até que foram bem, como “Lies”. Mas eles acabaram sendo mais falados por polêmicas, como a do nome da banda, que era uma sigla para Ecstasy Mother Fucker.

Outra polêmica foi “Lies” ter um trecho da voz de Mark Chapman, assassino de John Lennon. Era ele lendo o começo da letra de “Watching the wheels”. “People say I'm crazy”. A Yoko Ono, viúva do Lennon, entrou na justiça para que a voz dele fosse removida.

“Tivemos que fazer um recall do álbum e mudar essa parte”, lembra o vocalista, com a voz um pouco menos animada do que no resto da entrevista. “Eu nunca pensei sobre isso na época. Mas foi insensível da nossa parte, éramos jovens, estávamos apenas pensando o que poderia ser feito. Mas foi um pouco desrespeitoso com ela e com o legado do John.”

Esse, é claro, não é o único arrependimento de James. “Se eu pudesse voltar com uma máquina do tempo, me certificaria de não estar tão ansioso e apenas aproveitaria o momento um pouco, em vez de me preocupar demais.”

James Atkin, do EMF

Reprodução/Site oficial

Mas havia a sensação de que aquele cara não era você? De que você não era uma estrela do rock comum, um vocalista normal? “Sim, com certeza”, responde, sem hesitar.

“Eu nunca pensei que podia cantar bem e ficava um pouco constrangido com a minha aparência. Era um trabalho difícil ser um frontman, cara. Você sabe, todas as noites eu não podia fugir. Se eu não me sentisse bem-disposto, se eu estivesse me sentindo um pouco mal, eu não poderia simplesmente sair e ficar lá no fundo.”

“Você meio que tinha que dar tudo de si todas as noites, então acho que houve muita pressão. Definitivamente, eu fui ficando melhor com a idade. Se eu tivesse a confiança que tenho agora e pudesse voltar e fazer de novo, acho que provavelmente faria um trabalho melhor.”

Ao ter seu estilo elogiado, James apenas meneia a cabeça e agradece, tão cool quanto no vídeo de “Unbelievable”.

VÍDEOS: QUANDO EU HITEI