Shirley Manson, do Garbage, fala do machismo no rock: 'Me chamavam de louca o tempo todo'

Shirley Manson, do Garbage, fala do machismo no rock: 'Me chamavam de louca o tempo todo'

"As coisas precisam mudar, não está certo o que está acontecendo no mundo, a misoginia, o racismo, o sexismo. Todas essas coisas não estão certas, por isso quis falar e escrever essas músicas, porque é imperativo mudar isso."

Mas a cantora escocesa que é voz ativa do feminismo e símbolo do rock alternativo desde os anos 90 achou que o 7º álbum da banda não seria bem recebido pelo tom tão politizado.

"Para ser sincera, esperava forte reação contrária pelo que eu digo nas músicas. Achava que seria muito, muito criticada. Ficamos surpresos, nenhum de nós esperava por isso", afirma ao G1.

'Estou longe de ser louca'

O Garbage tem 28 anos de carreira e segue sendo um nome relevante de rock alternativo. Mas isso não quer dizer que o caminho foi simples para Shirley.

Ela diz que teria "milhões de coisas" a dizer para a mulher de 20 e poucos anos que gravou "Stupid Girl" e "Only Happy When It Rains", mas destaca um ponto que parece magoá-la até hoje: "Não se deixe levar pelo que os outros dizem".

"Fui constantemente diminuída, incompreendida. Ninguém confiou em mim e isso me deixava atormentada. Queria ter sido mais corajosa, porque eu não era uma porcaria".

"Quando você é jovem, você sabe que é capaz, mas está inseguro ou vive da forma que outras pessoas veem você. E esse é um problema muito comum entre as mulheres: o medo de ser vista como arrogante, louca, safada".

"Percebi que eu era chamada de louca o tempo inteiro, mas sabe por quê? Eu queria mais, só que as pessoas não estavam preparadas para me dar isso. Hoje olho para minha vida e penso que estou muito longe de ser louca".

Shirley Manson, vocalista do Garbage, canta em show no Texas em 2019

Suzanne Cordeiro/AFP/Arquivo

Força vem de 'heroínas na música'

A cantora foi mudando essa concepção ao observar suas referências na música, que estão até hoje na ativa, como Debbie Harry, vocalista da banda Blondie.

"Ela mostrou que eu posso ser cantora até os meus 70 anos. A gente nunca tinha visto mulheres mantendo as carreiras até essa idade, não só na música, mas em todas as esferas".

"É um grande privilégio para mim seguir os passos dela e também mostrar para novas gerações de mulheres que você não está fora do jogo aos 30 anos, embora a sociedade tente provar que você está".

"Essa é uma mensagem que não tem preço para mulheres ao redor do mundo. Não tive esse exemplo na minha vida até conhecer as minhas heroínas na música, Debbie Harry, Patty Smith, Stevie Nicks".

Debbie Harry canta durante show em homenagem a David Bowie no Carnegie Hall, em Nova York, em 2016

Evan Agostini/Invision/AP

Inspiração na revolta chilena

Ao passar uma temporada no Chile em 2019, Shirley presenciou a onda de protestos desencadeada pelo aumento na tarifa do metrô, atrelada a outras demandas em busca de maior igualdade social.

Toda essa movimentação influenciou o novo trabalho, mas especialmente as músicas "No Gods No Masters" e "The Men Who Rule the World". O álbum foi finalizado três dias antes do começo da pandemia.

"Os governos não estão interessados em fazer as coisas ficarem melhores para mulheres, negras, indígenas, homossexuais... E sei que vou soar como uma pessoa idealista, mas eu sou assim e não quero mudar, porque eu não quero ser uma capitalista cínica e tola".

Do pessoal para o coletivo

O fato de que milhares de pessoas simplesmente vivem suas vidas e desviam das injustiças que acontecem todos os dias é algo que Shirley não consegue entender.

"Como sociedade, a gente não pode ignorar mais ou se desligar desses assuntos. As coisas que estão acontecendo são realmente abomináveis".

"Com o passar dos anos, tenho ficado cada vez mais determinada a falar sobre coisas que eu gostaria que mudassem antes que eu morra. Não quero deixar a Terra exatamente igual como era quando eu cheguei".

"Quero que ela esteja mais avançada, quero viver em um lugar melhor para as novas gerações, para que elas curtam algum progresso que a nossa geração conseguiu".

Se no começo da carreira, prevaleciam músicas que falavam mais sobre a vida pessoal ou os dilemas da juventude, a banda formada também por Duke Erikson, Steve Marker e Butch Vig amplia o olhar e as preocupações para o coletivo.

Garbage lança álbum 'No Gods No Masters'

Divulgação/Joseph Cultice

"Sinto que quando você tem uma carreira longa, o que você faz vai mudando de acordo com as suas experiências. Não tem nada mais trágico do que ver um artista fazer sempre as mesmas músicas, seguir o mesmo estilo", afirma a cantora de 54 anos.

"Até dá para ser premiado pelo público, ser muito bem recompensado financeiramente, mas emocional e intelectualmente, vai chegar o momento de pagar o preço pela falta de vontade de arriscar e experimentar coisas diferentes".

Shirley Manson, vocalista do Garbage, canta em show no Texas em 2019

Suzanne Cordeiro/AFP/Arquivo

E as heroínas da novíssima geração?

Embora não considere o que Billie Eilish e Olivia Rodrigo fazem como rock, Shirley celebra o sucesso das jovens cantoras.

"Olivia Rodrigo fez um álbum incrível, tem letras brilhantes, acho que ela vai ter uma carreira longa e satisfatória. É lindo vê-la explodir".

Olivia Rodrigo faz sucesso já no seu primeiro álbum solo

"Billie mudou o jeito que o mundo vê músicas melancólicas. Ela foi a primeira, desde a minha geração, a mergulhar nesse universo mais sensível e obscuro".

"Os últimos 20 anos foram de puro brilho e positividade no pop, então sou muita grata às duas por trazerem ao mundo uma representação de ser humano mais 'dark', sensível e honesta", finaliza.

G1 OUVIU: Billie Eilish volta mais séria, expande o som e mantém o nível em 'Happier than ever'

LEIA MAIS: Tudo que você precisa saber sobre Olivia Rodrigo, a maior revelação pop em 2021