Raul de Souza, o gigante brasileiro do trombone que tinha passe livre no mundo sem fronteiras do jazz

Raul de Souza, o gigante brasileiro do trombone que tinha passe livre no mundo sem fronteiras do jazz

João José virou Raul por sugestão de Ary Barroso (1903 – 1964). E foi como Raul que ele entrou e saiu de cena. Sim, aos 86 anos, o trombonista, saxofonista e compositor carioca Raul de Souza morreu na noite de domingo, 13 de junho de 2021, vítima de complicações decorrentes de câncer na garganta que fez o músico anunciar a aposentadoria em novembro de 2020.

Comunicada pela família do artista nas redes sociais, a morte de Raul de Souza aconteceu na França, país onde o trombonista residia desde o fim dos anos 1990.

Raul de Souza foi músico brasileiro com passe livre no território sem fronteiras do jazz. Um músico do mundo, respeitado no universo do jazz latino dos Estados Unidos, país onde viveu por 17 anos e onde foi consagrado na segunda metade da década de 1970.

Celebrado pela maestria e agilidade na arte da improvisação, Raul de Souza pensou de início em ser primordialmente saxofonista. Só que, de família pobre, sem dinheiro para comprar um sax, acabou exercitando a técnica e o dom com um trombone de válvula, instrumento mais adequado ao curto orçamento familiar.

Em 1966, passou a tocar trombone de vara e o resto foi história luminosa no universo da música instrumental do Brasil. História que, a rigor, começara nos anos 1950, ano em que Raul começou a tocar na banda de fábrica de Bangu, bairro da zona oeste carioca onde se criou o músico nascido em Campo Grande, na mesma zona oeste do Rio.

A estreia no mundo do disco foi em 1957, em LP gravado por Raul como integrante da banda apresentada como Turma da Gafieira. O primeiro álbum solo, À vontade mesmo, saiu em 1965, quando Raul já estava devotado ao samba-jazz, após passagem pelo Bossa Rio, grupo liderado pelo pianista fluminense Sergio Mendes.

Raul de Souza (1934 – 2021) deixa legado que inclui álbuns fundamentais como 'Sweet Lucy', de 1977

Emmanuelle Nemoz / Divulgação

Como Mendes, Raul de Souza logo entendeu que a melhor saída no Brasil, para músicos adeptos da bossa e do jazz, era o aeroporto. O trombonista partiu para o exterior e, a partir de 1975, já residindo nos Estados Unidos, gravou os álbuns Colors (1975), Sweet Lucy (1977), Don't ask my neighboors (1978) e Til tomorrow comes (1979) – discos cujos títulos em inglês já denotavam o direcionamento da carreira do músico para o mercado externo do jazz latino.

Até ser abatido pelo câncer, Raul de Souza nunca deixou de tocar, fazer shows e gravar discos. O último título da obra fonográfica do artista, Plenitude, foi lançado em maio deste ano de 2021 pela gravadora Pao Records, sucedendo o álbum Curitiba 58 (2019), editado há dois anos.

Por mais que tenha corrido o mundo com a liberdade do jazz, Raul de Souza jamais esqueceu o suingue brasileiro, matéria-prima de obra dominada pelo samba com bossa. O samba com jazz. Samba que ele tocou com o instrumento que inventou, o souzabone, trombone com quatro varas, desenvolvido a partir do tradicional de três varas.

O que Raul não inventou, mas somente exercitou, foi a musicalidade espantosa e intuitiva que o fez ser consagrado entre os grandes do jazz fora do Brasil. E, por isso mesmo, o clichê é inevitável: Raul de Souza foi mesmo um dos maiores trombonistas do mundo.