Metal Open Air, 10 anos do fracasso... repórter relembra festival no Maranhão; veja VÍDEO

Metal Open Air, 10 anos do fracasso... repórter relembra festival no Maranhão; veja VÍDEO
Estrutura precária, camping em estábulo com só um chuveiro e falta de comida marcaram evento. Festival começou sem palcos e terminou com debandada de equipe técnica por medo de apanhar. Metal Open Air, 10 anos do fracasso... repórter relembra cobertura do festival no Maranhão

Quando cheguei ao Metal Open Air, todo mundo esperava o evento prometido pela organização: 47 atrações estavam na programação do festival nos dias 20, 21 e 22 abril de 2012.

Havia promessa de um camping para as fãs, de campeonato de futebol, de um supermercado, de praça de alimentação, estúdio de tatuagem...

Na quinta-feira, véspera do evento, constatei que o camping ficava em um estábulo, com apenas um chuveiro para centenas de fãs acampados.

Imagina um chuveiro para centenas de pessoas e tudo com um cheiro de estrume de cavalo. O odor incômodo deveu-se ao fato de o Parque Independência, em São Luís, ser utilizado para sediar a Exposição Agropecuária do Maranhão.

Na prática, essa primeira impressão me deixou um pouco desconfiado. O público foi um pouco mais tolerante e se mostrou bastante paciente com o que aconteceu ali na véspera: basicamente, um misto de indiferença e desinformação. Na sexta-feira, primeiro dia do festival, não tinha onde acampar, não tinha onde comer e a chuva só piorava ainda mais a situação.

Sequer os palcos estavam prontos, tampouco o camarim das bandas. Então, na quinta-feira já dava para sacar havia algo errado. Levando tudo isso em conta, a exclusão do estúdio de tatuagem pela vigilância sanitária local acabou sendo o menor dos problemas. Você não iria poder fazer uma tatuagem, tudo bem, contato que tivesse ao menos o que comer. O papo era esse.

Plateia do Metal Open Air, em 2012, durante show da banda canadense Exciter

Alex Trinta/g1

A sexta-feira começou com um show cancelado, o Headhunter D.C cancelou a apresentação. No decorrer do evento, headliners como Anthrax, Saxon, Venom, Rock n' Roll All Stars e Ratos de Porão cancelaram shows e alegaram problemas com visto ou com cachês.

Após 10 anos, fãs prejudicados no Metal Open Air nunca foram ressarcidos

Na prática, o Metal Open Air começou por volta das 15 horas com a Exciter. Ao som da banda canadense, fãs já tinham algumas opções para comer sob forte sol. No fim do show, fui entrevistar o vocalista no backstage, o apelido dele era Metal Mouth. Ele estava suando muito, todos estávamos. Eu perguntei como havia sido e ele elogiou: gostou da vibração do público.

Brinquei, então, que ele poderia finalmente tomar um banho para combater o calor. Ele falou que não tinha chuveiros no camarim.

Toda a estrutura para as bandas era mambembe. A estrutura fazia lembrar os estandes de uma feira de ciências escolar.

O primeiro dia, no fim das contas, acabou sendo o melhor do festival. Também na sexta-feira, tocou uma banda israelense chamada Orphaned Land. O vocalista tinha um visual meio Jesus Cristo e o povo gostou, achou muito interessante. O Anvil foi outra atração do primeiro dia. O grupo canadense ficou mais conhecido após ter a história de perrengues contada em um documentário de 2008.

O Anvil pegou o mesmo avião que eu. Ao chegarmos, fomos recebidos por uma apresentação de artistas com danças folclóricas locais. No festival, o Anvil fez um show bastante digno. Lembro que o baterista tocou com uma pochete o show inteiro e nos intervalos tomava muitos goles de isotônico.

Aquele não era um ambiente com qual, obviamente, eles estavam familiarizados como foi o caso das atrações brasileiras Almah e Shaman. As duas bandas foram muito bem recebidas. Notei que a plateia parecia resignada durante esses shows: quando você promete tudo e, inicialmente, você não dá nada, qualquer coisa que se oferece já faz o público ficar um pouco aliviado.

As bandas Destruction, Anvil e Megadeth tocam no Metal Open Air, em São Luís, em 2012

Alex Trinta/g1

Então, naquele fim de tarde e começo de noite, o pessoal já começou a ficar mais ansioso para o Megadeth. Eles eram a atração principal da sexta-feira, com show marcado para 11 da noite. Por volta de uma hora e meia da manhã, o Megadeth entrou e fez um show sofrível. A qualidade de som estava péssima, com um monte de interrupção. A duração foi de apenas uma hora.

A cada música, o Dave Mustaine parava, andava na direção dos lados do palco, fazia umas gracinhas. A voz de quem falava na plateia parecia mais alta do que a voz dele. E o vocalista, claro, ficou visualmente incomodado.

O sábado, segundo dia de evento, começou pior do que terminou o primeiro. A organização novamente se recusava a admitir que o festival não existia mais. Da forma como ele tinha sido vendido, ele não existia mais. A expectativa era de 80 mil pessoas em cada um dos três dias. O sábado teve o maior público do festival, com cerca de 10 mil fãs.

O line-up tinha 47 bandas, mas só 14 tocaram. Faltou banda... e faltou estrutura: constatei falta de banheiros, transporte, segurança e comida. A sensação geral era que todos estavam presos ali: esperavam acontecer alguma coisa. E alguma coisa, nesse caso, é qualquer coisa. Pode ser um acarajé ou um churrasco de duas das únicas barracas de comida ou mesmo um show de uma banda qualquer. A praça de alimentação anunciada nunca foi construída: eram apenas três concorridas barraquinhas de comida.

O Korzus, que não é uma banda qualquer, fez o último show do sábado. Foi o último show do festival. A trilha do fim do caos. Foi uma proeza o grupo paulista ter feito o grande show que fez, porque o som estava até melhor do que em várias apresentações anteriores do Metal Open Air.

O guitarrista e o baixista da banda canadense Exciter, no festival Metal Open Air, em 2012

Alex Trinta/g1

Há de se considerar que a equipe de iluminação tinha debandado. Antes do show do Korzus, eu entrevistei várias pessoas da equipe técnica responsável pela estrutura de palco e eles me falaram que estavam indo embora.

A equipe que cuidava dos camarins já tinha debandado. Aquela área supostamente vip estava destruída. As divisórias tinham caído como se fosse folhas de papel. Cadeiras de plástico estavam espalhadas pelo chão, jogadas por todo lado.

A equipe de som também já tinha ido embora. Eu perguntava para esses profissionais por que estavam desmontando tudo e o que estava acontecendo. Eles diziam que estavam indo embora. A maioria respondia que tinha medo de uma "revolta coletiva".

Então, foi essa sensação de medo de revolta que fez a equipe desmontar o palco, a estrutura de iluminação, parte da estrutura de som e camarim. Resumindo, eles estavam com medo de apanhar. O medo foi injustificado: a reação do público foi exemplar. Os protestos mais exaltados foram pouquíssimos.

Conversei com pessoas de muito longe que estavam acampadas ou com hospedagem paga até segunda-feira. Elas estavam refém daquela situação, não tinham como ir embora dali. Quem foi expulso do camping teve que acampar em parques da cidade ou na rodoviária.

O terceiro dia do festival não aconteceu. Foi quando a organização soltou o comunicado oficial, finalmente, já na tarde de domingo. Na prática, o festival já não existia mais desde a quinta-feira.

Os fãs foram ressarcidos?

Público no sábado do festival Metal Open Air, em 2012, o dia mais cheio do evento em São Luís

Alex Trinta/g1

As duas produtoras (Lamparina Produções Artísticas e Negri Produções Artísticas) trocaram acusações entre si, durante o evento e depois dele.

Em 2018, a Justiça condenou que os organizadores pagassem uma indenização de R$ 3.541,83 por danos morais para cada um dos fãs.

Após a defesa do festival recorrer, o Ministério Público pediu a suspeição do juiz do caso, o que ainda não foi decidido pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. Não há previsão para retomada do processo.