Juliana Linhares faz o show 'Nordeste ficção' irromper 'quente como o miolo do vulcão' na cena carioca

Juliana Linhares faz o show 'Nordeste ficção' irromper 'quente como o miolo do vulcão' na cena carioca
Canto e teatralidade da intérprete amplificam a poética abrasiva de repertório que inclui música de Zé Ramalho entre parcerias da artista potiguar com Chico César e Zeca Baleiro. Juliana Linhares com a peruca usada na estreia carioca do show 'Nordeste ficção', no Teatro Rival Refit

Rogério von Krüger / Divulgação Festival Levada

Resenha de show

Título: Nordeste ficção

Artista: Juliana Linhares

Local: Teatro Rival Refit (Rio de Janeiro, RJ)

Data: 9 de dezembro de 2021

Cotação: * * * * 1/2

? Show com apresentações programadas para 27 de janeiro de 2022 no Studio SP e para 28 de 29 de janeiro de 2022 como abertura de Lenine no Circo Voador (RJ)

? A incandescente presença cênica de Juliana Linhares no palco do Teatro Rival Refit evocou a figura agreste de Elba Ramalho nas mentes de alguns espectadores na estreia do show Nordeste ficção – em especial, a imagem da leoa ainda indomada do início da carreira fonográfica, entre 1979 e 1980.

Apresentado ao público carioca na noite de quinta-feira, 9 de dezembro de 2021, na abertura da décima edição do Festival Levada, o show Nordeste ficção construiu narrativa que puxou o fio da memória da música nordestina dos anos 1970 e (início dos) 1980, mas com o afiado toque contemporâneo da direção musical de musical de Elísio Freitas.

O roteiro do show Nordeste ficção está assentado sobre o repertório do homônimo primeiro álbum solo de Juliana Linhares, cantora potiguar revelada como vocalista da banda carioca Pietá e residente na cidade do Rio de Janeiro (RJ) desde 2010.

Com edição em LP na boca do forno, o álbum Nordeste ficção (2021) é um dos grandes discos do ano, tendo sido lançado em março com a marca artística de Marcus Preto, diretor-arquiteto sempre hábil na construção de pontes que erguem repertórios e parcerias sem negligenciar o poder de sedução de uma melodia fluente – ainda o traço mais frágil de grande parte da produção musical indie brasileira do século XXI.

No caso de Nordeste ficção, a música cantada por Juliana Linhares é aditivada com poética abrasiva que, aliada ao canto intenso e à teatralidade da artista, fez o show irromper no palco do Rival “quente como o miolo do vulcão” – para citar verso do Bolero de Isabel (Jessier Querino, 2004), cantado de início no show com arranjo minimalista, calcado no toque sutil da guitarra de Elísio Freitas.

Sim, na primeira apresentação aberta ao público, Nordeste ficção se revelou show quente como um repente de Zé Ramalho, cantador paraibano de quem Juliana dá voz ao Galope rasante (1979) em número de grande eletricidade e força cênica.

Juliana Linhares mostra canto e gestual expressivos na estreia carioca do show 'Nordeste ficção'

Rogério von Krüger / Divulgação Festival Levada

Aberto com versos da música-título Nordeste ficção (Juliana Linhares e Rafael Barbosa, 2021), cantados como cartão de visitas para abrir alas para Tareco e mariola (Petrúcio Amorim, 1995), o show demorou dois ou três números para atingir a alta temperatura, mas já se insinuou forte nesse bloco inicial que também incluiu a balada Meu amor afinal de contas (Juliana Linhares e Zeca Baleiro, 2021) e o xote Balanceiro (Juliana Linhares, Khrystal, Moyseis Marques e Sami Tarik, 2021).

Quando a cantora detonou Bombinha (Carlos Posada, 2021), o público já estava na mão da artista. Depois, a apresentação transcorreu febril, inebriante, se alternando entre a densidade da canção Armadilha (Caio Riscado e Juliana Linhares, 2021), a mordacidade política de Aburguesar (Tom Zé, 1972), a sensualidade marota da Lambada da lambida (Chico César e Juliana Linhares, 2021) e a malícia explícita de É mais embaixo (Durval Vieira, 1990), hit do repertório arretado da cantora alagoana Clemilda (1936 – 2014).

Intérprete que dominou o palco e as atenções do público (majoritariamente alocado na pista) com o canto e o gestual expressivo que amplificou o discurso do repertório, Juliana Linhares carnavalizou o primeiro sucesso autoral da baiana de criação pernambucana Karina Buhr, Eu menti pra você (2010).

Foi nesse número que a cantora apresentou a banda homogênea que incluiu músicos como o Lourenço Vasconcelos na bateria, Renata Neves no violino – que soou como rabeca em Galope rasante, ecoando a influência árabe na música da nação nordestina – e o já citado Elísio Freitas na guitarra que cuspiu fogo hendrixiano na apresentação da música-título Nordeste ficção.

Assim como a cantora, os músicos da banda entraram em cena com perucas de cabelo louro platinado, enfeites que, uma vez tirados, viraram adereços do cenário e potencializaram a teatralidade de apresentação “quente como o miolo do vulcão”.

Cantora de voz ativa, Juliana Linhares deixou tudo arder – como cantou no baião Embrulho (Chico César e Juliana Linhares, 2021) – e saiu consagrada de cena após acertar o passo veloz de Frivião (Rafael Barbosa e Juliana Linhares, 2021) antes do bis feito com Capim do vale (Sivuca e Paulinho Tapajós, 1980), música do repertório da fase indomada e agreste da discografia da Leoa do norte, evocação natural da cena de Nordeste ficção que jamais anula a identidade artística da candente Juliana Linhares.

Juliana Linhares canta sucessos de Zé Ramalho, Clemilda e Karina Buhr no roteiro do show 'Nordeste ficção'

Rogério von Krüger / Divulgação Festival Levada

? Eis o roteiro seguido em 9 de dezembro de 2021 por Juliana Linhares no palco do Teatro Rival Refit, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), na primeira apresentação do show Nordeste ficção com público presencial:

1. Nordeste ficção (Rafael Barbosa e Juliana Linhares, 2021) – trecho /

2. Tareco e mariola (Petrúcio Amorim, 1995)

3. Meu amor afinal de contas (Juliana Linhares e Zeca Baleiro, 2021)

4. Balanceiro (Juliana Linhares, Khrystal, Moyseis Marques e Sami Tarik, 2021)

5. Armadilha (Caio Riscado e Juliana Linhares, 2021)

6. Bombinha (Carlos Posada, 2021)

7. Galope rasante (Zé Ramalho, 1979)

8. Bolero de Isabel (Jessier Querino, 2004)

9. Embrulho (Chico César e Juliana Linhares, 2021)

10. Aburguesar (Tom Zé, 1972)

11. Bombinha (Carlos Posada, 2021)

12. Eu menti pra você (Karina Buhr, 2010)

13. Nordeste ficção (Rafael Barbosa e Juliana Linhares, 2021)

14. É mais embaixo (Durval Vieira, 1990)

15. Frivião (Rafael Barbosa e Juliana Linhares, 2021)

Bis:

16. Capim do vale (Sivuca e Paulinho Tapajós, 1980)

Juliana Linhares domina a cena no show 'Nordeste ficção'

Rogério von Krüger / Divulgação Festival Levada