Canto de Alaíde Costa brilha na eternidade das inéditas gravações de 1972 e 1974 que geram o álbum 'Antes e depois'

Canto de Alaíde Costa brilha na eternidade das inéditas gravações de 1972 e 1974 que geram o álbum 'Antes e depois'
Artista aguarda o lançamento do disco em que dá voz a letras de Emicida e abre parceria com Nando Reis. Capa do álbum 'Antes e depois', de Alaíde Costa

Divulgação

Resenha de álbum

Título: Antes e depois

Artista: Alaíde Costa

Edição: Discobertas

Cotação: * * * * 1/2

? O tempo de Alaíde Costa é eterno. É interessante ouvir o atual álbum Antes e depois com a informação de que, já perto dos 86 anos, a serem festejados em 8 de dezembro, a cantora e compositora carioca está com disco de músicas inéditas pronto para ser lançado.

O repertório desse próximo disco apresenta a primeira parceria da artista com Nando Reis entre músicas de Francis Hime, Guinga, Ivan Lins, João Bosco, Joyce Moreno e Marcos Valle com letras de Emicida, idealizador do álbum articulado e efetivamente produzido por Marcus Preto.

Ouvir Antes e depois – álbum viabilizado pelo selo Discobertas a partir de fita encontrada pelo produtor Thiago Marques Luiz com gravações feitas pela artista em 1972 e 1974 no Estúdio Eldorado, na cidade de São Paulo (SP) – é voltar em tempo especial na longeva trajetória de Alaíde Costa.

Cantora que debutou no mercado fonográfico há 65 anos, com a edição em 1956 de disco de 78 rotações pela gravadora Mocambo, Alaíde Costa ficou de início associada à Bossa Nova. Aos poucos, fez conexões com outros universos musicais como o Clube da Esquina.

A propósito, a gravação exposta no álbum Antes e depois flagra a cantora em processo de reinserção no mercado fonográfico após a projeção obtida pelo dueto com Milton Nascimento em que a intérprete redimensionou o samba Me deixa em paz (Monsueto Menezes e Airton Amorim, 1951) em gravação do álbum Clube da Esquina (1972).

Como conta Roberto Oliveira no detalhista texto escrito para a edição em CD do álbum Antes e depois (texto reproduzido em letras miúdas no encarte em que os títulos das músicas também são de difícil leitura pelo pouco contraste da cor dos nomes com o fundo preto), Alaíde Costa voltou aos palcos cariocas em maio de 1972 e, meses depois, já morando novamente na cidade do Rio de Janeiro (RJ), arregimentou músicos para montar A Peça, banda que acompanhou a cantora em show solo. Entre esses músicos, ao violão, estava o ainda desconhecido Guinga.

É com os toques de Guinga (violão), José Luís de Souza, o Neco (piano, arranjos e direção musical), Edmundo Barcelos (bateria), Milton Botelho (baixo), Raimundo Nicioli (guitarra) e Kim Ribeiro (flauta) que Alaíde canta seis das 14 músicas do disco. São as faixas de 1972.

As outras oito músicas foram gravadas em 1974 com quarteto formado por músicos identificados na ficha técnica do disco como Fernando (piano), Maurício (bateria), Milton (baixo) e Serginho (violão).

Na disposição das 14 músicas no disco, os seis fonogramas de 1972 se alternam com as oito faixas de 1974. Contudo, as 14 faixas guardam unidade estética potencializada pelo canto luminoso de Alaíde Costa e também pelas sonoridades afins das duas bandas.

A cantora acerta o denso tom claustrofóbico de Chega (Ivan Lins, 1974), cai com segurança no suingue da vocalizada música-título Antes e depois (Oscar Castro Neves, 1965 – tema sem letra), segue firme nos contornos da trilha estradeira de Nada será como antes (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1971) – escorada em arranjo que parece simular o caminhar do eu-lírico da canção – e resplandece no canto do tema uruguaio Chinga chilinga (Ruben Rada, 1972).

A restauração da fita pelo engenheiro de som Anderson Caserini deixou tinindo o som do disco. Além da faixa-título Antes e depois, há outros dois temas sem letras, cantados por Alaíde somente com vocalizes. Ambos, Decarísssimo (1962) e Fuga y misterio (1968), são de autoria do compositor e bandoneonista argentino Astor Piazzolla (1921 – 1992), sendo que o registro do segundo soa especialmente bonito e emocionante.

Alaíde Costa em estúdio neste ano de 2021, na gravação do disco com letras de Emicida

Victor Balde / Divulgação Lab Fantasma

O álbum Antes e depois perpetua gravações feitas em tempos ditatoriais em que a voz de cantoras como Alaíde Costa eram armas de resistência. A MPB florescia e criava a atmosfera espessa em que eram ambientadas belas canções como Atrás da porta (Francis Hime e Chico Buarque, 1972), Diariamente (Paulo Cesar Girão e Gerson Nogueira, 1975) e Noturno nº 0 (Sueli Costa e Tite de Lemos, 1975).

Nesse sentido, é sintomático que Alaíde Costa gravasse tantas músicas de Milton Nascimento naquela época. Além de Nada será como antes, há no disco Viola violar (Milton Nascimento e Marcio Borges, 1973) e Milagre dos peixes (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1973). Milton sabia dar o recado pela música como poucos. E Alaíde entendia perfeitamente o recado de Milton.

Mesmo que as duas densas composições inéditas reveladas pelo álbum Antes e depois, Última (José Luis de Souza e Luiz Alfredo Millecco) e Mariana (Guinga e Márcio Ramos), soem pálidas no confronto com tantas joias da música da América Latina lapidadas pela cantora nas duas sessões de estúdio, o valor musical e documental do disco é inestimável.

O tempo de Alaíde Costa é hoje, como vai reiterar o álbum com letras de Emicida, mas a cantora brilha na eternidade dessas gravações inéditas de 1972 e 1974 que, decorridos quase 50 anos, geraram em 2021 o CD Antes e depois.