Jão lança angústias e dores ao mar no balanço do álbum 'Pirata'

Jão lança angústias e dores ao mar no balanço do álbum 'Pirata'
Diluição da sofrência em batidas eletrônicas é a marca de disco que cresce em baladas de molde mais tradicional. Capa do álbum 'Pirata', de Jão

Divulgação

Resenha de álbum

Título: Pirata

Artista: Jão

Edição: Universal Music

Cotação: * * *

? Primeira das onze músicas que compõem o repertório inteiramente autoral de Pirata, terceiro álbum de estúdio de Jão, Clarão (Jão, Pedro Tófani e Zebu) se insinua como sofrida canção de amor, mas, antes do primeiro minuto, cai na pista com batida eletrônica, alternando climas e andamentos até o fim da faixa.

Clarão dá a pista certa de Pirata, disco em que João Vitor Romania Balbino – cantor e compositor paulista que faz 27 anos em 3 de novembro – lança angústias e dores ao mar agitado em que balança o bom álbum lançado na noite de terça-feira, 19 de outubro.

Pirata é álbum gravado com produção musical dividida por Jão com o galês Paul Ralphes – hábil arquiteto de discos do pop nacional, tendo no currículo produções de Kid Abelha e Biquini Cavadão, entre muitas outras bandas de gerações mais antigas – e com Guilherme Pereira.

Responsável em Pirata pela confecção das faixas de moldura mais eletrônica, como Não te amo (Jão, Pedro Tófani e Zebu), Guilherme Pereira é o produtor conhecido artisticamente como Zebu e creditado como parceiro de Jão e Pedro Tófani em sete das onze músicas do disco, inclusive na única já previamente apresentada em single editado em fevereiro, Coringa (Jão, Pedro Tófani e Zebu).

Por mais que a safra autoral de Pirata por vezes soe repetitiva (sobretudo do ponto de vista melódico), as onze músicas formam um todo surpreendentemente interessante, aparando excessos melodramáticos de álbuns anteriores do cantor, como o anterior Anti-herói (2019).

Jão sofre por amor e se expõe em letras confessionais, apontando erros próprios e dos parceiros em cancioneiro que se distancia da alegria artificial e do sofrimento plastificado de boa parte do pop brasileiro da atualidade.

A pegada dançante até pode eventualmente soar artificial, por contrariar a natureza das letras de alta carga emocional cantadas por Jão, como fica especialmente evidente em Doce (Jão, Pedro Tófani e Zebu), mas o fato é que a ágil batida pop de Idiota (Jão, Pedro Tófani e Zebu) flui muito bem, por exemplo.

Entre músicas menores como Acontece (Jão e Pedro Tófani) e Santo (Jão, Pedro Tófani e Zebu), o artista se engrandece no disco quando fica sozinho como compositor e produtor. Faixa de cinco minutos que encerra o álbum Pirata, Olhos vermelhos (Jão) é canção formatada pelo próprio artista e apresentada em molde mais tradicional.

Olhos vermelhos é balada que flagra Jão com vontade de sentir o gosto da liberdade, bafejada na gravação pelo sopro do saxofone que cresce ao fim da faixa. “Eu quero me perder, incendiar, nadar além do mar”, canta Jão, vislumbrando horizonte inexplorado.

Outro destaque do álbum, Você me perdeu (Jão, Pedro Tófani e Zebu) também se mostra canção de formato mais comum em que Jão inventaria perdas e danos de relacionamento corroído pelo tédio.

Música da lavra solitária de Jão, Meninos e meninas é crônica adolescente e bem pessoal de rapaz do interior às voltas na cidade grande com as descobertas da vida bissexual (Jão nasceu em 1994 na cidade paulista de Américo Brasiliense).

Faixa incrementada com solo de guitarra, Tempos de glória (Jão) é outra canção que mostra que, por estar calcado em emoções reais, o repertório de Jão pode prescindir de tudo que é artificial. É por isso que, por mais que oscile, o álbum Pirata resulta sedutor no todo e faz Jão emergir como um verdadeiro talento do pop brasileiro do século XXI.